Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

terça-feira, 14 de julho de 2015

Mas afinal o que é rock n’ roll? Os óculos de Lucas ou o olhar de Orelha?

     
    


   Como se não bastasse me pegar assistindo de maneira totalmente envolta a final do programa Superstar (sem falar dos outros domingos em que fui um telespectador do mesmo programa e, consequentemente, global), me peguei também sobre uma imensa vontade de escrever sobre o mesmo. Não apenas sobre o programa, sobre a final, mas sobre a banda vencedora, mas sobre tudo o que me fez ver aquele acontecimento como algo para além de uma mera final de mais um reatily show simplório e previsível relacionado à música e ao show business.



    Minha expectativa sobre o programa final se deu, em grande parte, por conta dos protagonistas envolvidos na última chance de levar o título de Superstar 2015. Duas bandas de rock e duas bandas com propostas, que para o meu espanto, uma parte considerável dos que se dizem representantes do rock contemporâneo viam como “antirock”. Só neste sentido, tive a percepção de que toda a questão iria muito além de apenas se discutir um gênero musical e seus possíveis favorecimentos e desfavorecimentos ao título na final do programa, ou mesmo da proposta musical de cada banda finalista apresentada ao longo do programa.


    Muito antes de o programa começar, acompanhava pelo Facebook diversos comentários acerca de uma possível marmelada global em dar o título a banda de rock Scalene,  o que para a maior parte das pessoas que viam desta forma este possível favorecimento, evidenciaria mais uma vez, uma postura racista da Rede Globo de Televisão. Pois bem, o programa começou e para inflamar quase todos (já vamos entender o quase) os ânimos nas redes sociais, a primeira banda a ser eliminada foi Dois Africanos, justamente a banda de maior torcida (pelo menos entre o público do meu Facebook em particular), em oposição aos “favoritos” Scalene. Minutos antes muitos já alertavam para uma possível eliminação desta banda pelas questões de cunho racial evidenciadas acima. Confesso que me questionei quanto a isso. Não vi essa desconfiança como exagero, mas também não acredito que a banda poderia ser eliminada ou perder o programa unicamente por serem negros e africanos, justamente por uma série de outros fatores, como o ritmo musical bem diversificado e o próprio dialeto usado nas músicas, onde as letras não ficavam tão claras. Levei em conta que se tratava de um programa que apesar de abranger diferentes estilos musicais, se destina a um público que consome música pop, e que essa preferência sempre acaba ficando clara na votação do público, como aconteceu inclusive com a banda Malta, vencedora do último reality, que se propôs a fazer rock inicialmente, mas que ao longo do programa, talvez justamente por perceber isso, migrou seu estilo para o pop, principalmente no que diz respeito às composições. Estava crente de que tudo seria possível e, ainda estou, de que nunca será possível saber o que de fato acontece para que bandas ou cantores x sejam vencedores desse tipo de programa, mas ainda me firmo na questão da estética musical mais voltada para o pop, por ser o estilo de música de mercado.


    Pois bem, passado o ocorrido com a banda Dois Africanos, Lucas e Orelha passaram a ser a banda representante do que estou chamando aqui de antirock, e a torcida pelos garotos passou a ser imensa. Unicamente por apresentarem um estilo mais voltado ao pop, já evidenciado aqui como o gênero de maior popularidade e que sempre entrará como favorito no programa? Pelo que li nas minhas redes sociais especificamente, parece que não. E os que estavam torcendo contra ele, torciam contra unicamente por motivos musicais contrários aos que torciam a favor? Também arrisco dizer que não. Ora, então a minha maior probabilidade, de que a banda campeã o seria por conta do estilo musical, parecia estar sendo colocada em cheque, e isto ficou comprovado ao longo do programa e após o resultado final.


    A banda Versalle foi a segunda eliminada e a final foi perfeita para evidenciar aquilo que eu já estava percebendo ao longo do programa: Scalene e Lucas e Orelha, representavam muito mais do que apenas dois gêneros musicais, eles representavam estilos de vida, segmentos da sociedade, em suma, representava pessoas, tal qual os políticos, nesse atual sistema, supostamente deveriam fazer (alguns até fazem e isto já seria assunto para uma outra ocasião).


    Ao longo das apresentações, sendo a primeira da banda Scalene, comecei a observar as pessoas que estavam a torcer por um e por outro. Enquanto a banda Scalene tocava, uma série de pessoas na plateia do Superstar se colocava de pé para dançar e aplaudir sua banda favorita. Na base do “olhomêtro” (aqui fala um telespectador de televisão, não um pesquisador de dados estatísticos), a torcida de Scalene era composta de pessoas brancas, que pareciam ser de uma camada social privilegiada  economicamente e que acreditam consumir um estilo de música que não se mistura com uma determinada gentalha. De modo contrário, comecei a observar que as pessoas que se colocavam a dançar e a torcerem por Lucas e Orelha, tinham justamente o perfil contrário. Minhas desconfianças estavam postas. Aquela final representava muito mais do que uma final de um mero reality show. Aquele programa poderia ser um verdadeiro objeto de estudo sociológico muito bem discutido, desde uma simples postagem de um blog até o meio acadêmico. O que fiz para continuar a observação sobre esta constatação inicial? Me dirigi para as redes sociais, inclusive para além do meu Facebook particular que demanda um público que com certeza iria se identificar mais com a banda alternativa ao gênero musical de gente de bem. Ao me dirigir ao Twitter tive a plena convicção de que não se tratava de um rito no escuro, um chute no vácuo, Lucas e Orelha de fato representavam ali uma camada social pobre e negra, e Scalene o contrário. Os perfis que compartilhavam fotos, textos e mensagens, elucidava esse fator. Conteúdos dos mais diversos, mas diversificados. Não consegui encontrar sequer um twitter dos que se colocavam a torcer por Lucas e Orelha que se colocasse a ofender a origem ou os traços físicos dos membros da banda Scalene. Já o contrário...


    O programa terminou. Ao longo da apresentação da dupla Lucas e Orelha, a porcentagem foi subindo e, antes mesmo que a canção terminasse, já estava decretado o vencedor e, com isso, o ódio que iria se espalhar pelas redes sociais contra a camada que os garotos representavam. Dentre tantas barbaridades, as clássicas: “votaram neles os que votam na Dilma e recebem Bolsa Família” e “Como pode um preto e um preto vesgo, vencerem uma banda com um lindo vocalista, como a Scalene tem?” . Disso para baixo. Já prevendo isso ao longo das apresentações da banda, minha identificação com os garotos que já era grande ao longo do programa, foi potencializada. Lucas e Orelha não eram a alternatividade musical e ideológica de Tom Zé, Criolo, Chico Buarque, RATM, ou mesmo os Racionais em seu início, que tanto me atraem, nem na sonoridade nem em termos de composição. Eles eram a alternatividade enquanto indivíduos, e apenas isso bastava. Eles eram o contraponto do pop por sua origem e postura humilde. Só o fato dos garotos agradecerem aos prantos a seus pais, de terem escolhido um negro para que os apadrinhasse (e aqui também creio que a identificação com Thiaguinho, que por sinal está bem longe de ser uma preferência musical minha, também tenha se dado pelo reconhecimento dessa origem social) e a emoção de não estarem acreditando que sim, é possível que um jovem, nordestino, negro e pobre se destaquem de alguma forma, ainda que pelos meandros do próprio capital e indústria fonográfica que tanto critico sejam o meio, já eram evidencias suficientes para acreditar que Lucas e Orelha não representavam apenas aos negros, pobres e nordestinos de nosso país, mas representavam também a mim e aos que se indignam com uma sociedade que massacra pessoas como Lucas, Orelha e os que se identificam com eles. Não, eles não querem que vençamos, nem pelos meios deles. A meritocracia não nos contempla méritos, e quando o faz, é apenas para alguns poucos, para que se perpetue a mentira de que todos podem, e mesmo para esses poucos de nós, esse contemplar parece ser passageiro ou apenas por meio específicos. Mas o ovo nazista já está plantado de tal forma no seio do social brasileiro, que um negro agora passa a incomodar, inclusive, ao ser vencedor por meio da música ou do esporte.


     Os que passaram a criticar veementemente o resultado do Superstar se diziam admiradores e consumidores do rock. Passada meia noite, enquanto Lucas e Orelha comemoravam seu título, o Dia do Rock dava início, sobre o grito de muitos roqueiros internautas: o rock é branco, de gente bem abastada, de acesso econômico e cultural (segundo o que eles definem por cultura), de nível (sobre o que eles entendem e impõem como nível). O Dia 13 de Julho de 2015, no Brasil, já era então muito mais que o dia do Rock. Era o dia do rock posterior a uma derrota de uma banda de rock com uma legião de fãs (sem terem gravado sequer um grande álbum ou sucesso) em um programa tido como muitos que se dizem alternativos e admiradores desse estilo musical, como boçal e “popular”. O Dia 13 de Julho de 2015 no Brasil era o dia da reflexão sobre o Rock e sobre o Brasil, e a vitória de Lucas e Orelha na final do Superstar tem um enorme peso para que esta reflexão seja promovida na presente data e nas datas posteriores, como a de hoje, dia 14, onde dou inicio a esse texto. Fica a pergunta: se somos todos Maju, por que não somos todos Lucas e Orelha?




Continua...




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