Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 5





Essa era apenas uma das dúvidas que Vincent suscitava com relação aos posicionamentos de seu pai frente determinadas questões. Uma de muitas. Vincent fazia questão de ser o senhor das dúvidas.  A verdade era que Vincent desejava ser o senhor de si mesmo. Mas, não podemos dizer que Vincent chegava a ser arrogante, afinal de contas, todos nós queremos ser donos de nossos próprios trajetos. Todas as dúvidas levantadas por Vincent, desde o posicionamento que seu pai tinha diante de uma simples discussão futebolística até as coisas mais complexas tinham no fundo um único intuito: a independência da mesmice. Coisas de adolescente? Não se sabe. Vincent se um dia foi de fato jovem, só ô fora na idade. Suas percepções e responsabilidades passavam longe da condição de um efebo qualquer. Perceberemos logo um dos bons motivos para tal precoce amadurecimento.

 A bela e sofrida Rosa. Muito cedo deixou a casa dos “Dos Santos” para possivelmente viver entre aqueles que, acaso existissem, fossem os santos de verdade. Este era o nome da mãe de Vincent que ele nem chegou a conhecer. Sua parição foi a causa da morte da mãe e também da perda da sua mocidade. Sempre repousaram sob seus ombros a responsabilidade de honrar as expectativas da família. Se não fora seu pai um agente direto da mudança em sua pequena cidade, esperava-se que Vincent fosse a mudança ao menos no seu quadro familiar. Tinha nome importante já por este intuito. Mas o próprio Martinho já provara que mudanças não se fazem por epítetos.

Rosa não fora uma pessoa que perspectivava sob o filho que carregava ideais revolucionários. Dizia que ficaria muito contente se o filho ao menos se formasse. De preferência em Medicina, profissão esta que segundo ela era nobre e dava bom retorno financeiro. Mas, de fato, em uma família tão simples como a sua, esperar que um filho se tornasse médico já seria, de fato, esperar dele uma grande revolução frente seus ascendentes.

A escolha do nome do filho veio unicamente do pai, e Rosa muito estranhara que Martinho quisesse extrair a última letra de Vicente. Nunca entendeu bem o motivo que levara Martinho a escolher tal alcunha a uma simples criança. Não via graça nem desgraça na escolha. Apenas pensava ser tal opção do pai, coisa de gente pobre que quer ser grande, como se pobreza fosse sinônimo de pequenez.

Rosa não vira o filho se tornar grande desde pequeno. Martinho nunca contou muito ao filho sobre a mãe, já que o homem não era de muitas palavras. Tornou-se um homem de ainda menos prosa depois da viuvez precoce. Vincent também nunca especulou muito sobre o caso. Ocupou-se unicamente em não importunar o pai com tais questões, já que o importunava com outras. Mas, com isto, descobriu logo cedo que, a cada manhã que suas dúvidas sobre sua mãe eram silenciadas, quem se tornava importunada era sua alma. O silêncio pode molestar a alma. E isto o jovem que se tornará velho demais dia a dia, descobriu muito cedo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Indiferença à diferença



Quem és tu para que me confundas a alma?
E quem sou eu
 Para que me julgue distante da paz de espírito?
Bem sei, e como sei
Que não basta só ter a barriga cheia 
 Para que a alma esteja nutrida
E que também não é possível passar pela glória sem a ruína
De toda sorte, sei que minha tristeza é menor que a de muitos
Isso há muitos consola
Mas a mim penaliza
Não se pode estar farto se outro está fraco
E não se vê força alguma
Em braços que se cruzam perante a dor de um semelhante
Diferença? Nunca existiu
Se existe, é porque nós a tecemos todos os dias
Nós a criamos indiferentes à ela
Não há sentido na dor, se ela for solitária
Só há sentido na dor, se ela corrói pelo outro
Se ela corrói pelo todo
E quando a minha dor for solitária
Quero saber que no outro ela existe
Convido-me a sofrer com ele
E nos curarmos sozinhos da diferença
Que a nossa indiferença criou
Ao ter a minha memória refrescada
Ao ver os males dos homens
Prometo não mais ver justiça
No meu tolo choro
Só posso concordar que
Tudo é vaidade

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Carta aos angustiados




Não se pode esperar um movimento revolucionário de um povo que não se vê necessitado de mudança. O masoquismo tem sido a alcunha que representa a grande massa. Os poucos que ousaram efetivamente pensar frustram-se por estarem de mãos atadas tendo em vista que, na atual conjuntura socioeconômica, uma única andorinha realmente não pode fazer verão.

Aos que sentem o peso da angústia do esclarecimento, resta a espera, ou pela morte coletiva, que já é praticamente certa, independente de profecias apocalípticas ou não, ou da saída para a vida coletiva, que chegaria a ser praticamente uma ressurreição. Não há outra forma de se alcançar a plena felicidade senão no mais profundo cerne da coletividade. E tem sido exatamente pela constituição individualista e mesquinha de nossa sociedade que a felicidade se encontra há anos luz distante dos homens.

Leve-se em conta que o que chamo felicidade não pode, de maneira alguma, ser confundida com a realização pessoal e momentânea que proporciona o sistema até aqui citado, a uma parte da humanidade. Todo indivíduo que opta por se manter esclarecido de que, na atual conjuntura, toda conquista material de um representa a perda material de outros ou muitos, dificilmente terá a honestidade de se dizer convicto de estar plenamente satisfeito e feliz, estando distante da angústia do presente século por completo.

Se pensar de maneira ética é pensar no bem estar comum do todo, sem deixar ninguém para trás, a ética está tão próxima dos homens como Deus está do diabo.

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 4





Vincent nunca se acostumou muito com a ideia de assiduidade aos cultos da congregação frequentada por seu pai na cidade grande. Talvez tivesse herdado do pai tal comportamento. Pouca coisa Vincent herdou do pai. Já foram destacadas duas, talvez as mais importantes para entendermos Vincent. Mas, algumas outras mais podem ser de grande utilidade para o desenrolar dos fatos na vida do tenro chaveiro.

Se do pai herdou o desgosto pela assiduidade aos cultos, com ela veio acompanhada a paixão pelo futebol. De longe era o assunto mais comentado na loja em que trabalhava. Era de longe também o tipo de assunto em que o pai mais fazia questão de esboçar algo ligeiramente mais incomum aos seus curtos comentários feitos de costume. Do pai também herdou a paixão por seu clube. Nesse aspecto, Vincent não estava muito distinto dos garotos que o cercavam. Tomemos por conta que poucas vezes Vincent realmente foi garoto, e das vezes que foi estava ou com uma bola nos pés ou com a mesma dentro de uma caixinha preta, fixado em frente a mesma, as quartas e domingos. Coincidentemente, nos mesmos dias em que aconteciam os cultos religiosos. Muito provavelmente a paixão pelo futebol fosse maior em Vincent do que o gosto, que por sinal era mínimo, que ele tinha pela rotina congregacional.

Vez ou outra o pastor da comunidade eclesiástica frequentada por Seu Martinho, visitava a sua loja. Martinho, sempre fiel em suas contribuições financeiras para com a comunidade, era acompanhado de perto pelo pastor amigo, que se tornava ainda muito mais amigo quando compartilhavam das poucas coisas que tinham em comum. Na verdade era apenas uma que tinham por similar: o futebol. Tudo bem que eles mantinham algum contato para a prosa muito mais por conta do pastor fazer o trajeto da sua casa para o trabalho e, ás vezes, do trabalho para o templo, passando em frente à loja de Martinho. Depois de umas tantas visitas à loja, o pastor começou a observar melhor o filho de Martinho e lhe perguntou:

- Ora rapaz, como você se chama mesmo?

- Vincent, senhor.

- Vejam só, que belo nome! Concordas que tens um nome incomum?

-Sim.

Poucas palavras. Vincent não era de muito falatório quando o assunto pouco lhe interessava. Na verdade, de todos que passavam pela loja, poucos traziam algo que de fato lhe interessasse. O pastor geralmente falava de futebol com seu pai, que por sinal, mesmo que Vincent quisesse participar um pouco mais da conversa, não o fazia por falta de espaço. As conversas sobre o esporte tão bem quisto geralmente eram muito saudosistas e Vincent tinha apenas dezessete anos de idade.

Os outros geralmente seguiam o pastor como boas ovelhas, sempre preocupadas com o mesmo tipo de assunto. Geralmente iam para o trabalho com a seguinte dúvida:

- Quem será que vai ganhar hoje? Qual a sua opinião chaveiro?

 Na volta, a pergunta costumava ser um pouco reformulada. Geralmente um tanto mais sarcástica e pouco mais objetiva.

- Qual a sua opinião sobre o jogo de hoje Martinho? Quem o senhor acha que vai ganhar?

Geralmente as respostas de Seu Martinho eram parciais e bem políticas, mesmo que uma opinião a favor de seu time estivesse em jogo. Martinho levava jeito para ser comentarista nos grandes canais de televisão e rádio da sua época.

- Nosso time está bem arrumado. Tem um bom meio campo e uma boa defesa. Acredito que tenha grande chance de sair com a vitória. Mas o adversário tem um grande ataque e um bom goleiro, além dos alas que bem apoiam. Com certeza pode sair vitorioso. Pode ser também que dê um belo empate.

Vincent observava com cautela e inquietação tais posicionamentos do pai que não se refletiam só no que diz respeito à vida futebolística, mas a quase tudo nesta vida. O pai sempre fazia questão de lhe exortar repetidamente, percebendo as inquietações do filho.

- Pouco comprometimento tenho tido para com as reuniões congregacionais meu filho, principalmente as dominicais. Mas delas consegui extrair algo, ainda que seja pouco. Por isso te digo que em todo e qualquer assunto, se possível, tende paz com todos.

Vincent entendia o conselho do pai e via alguma sabedoria nisso, mas começava a estranhar este conceito de paz criado pelo pai, muito mais próximo de passividade do que de pacifismo, ainda que o pensamento do garoto não se formulasse exatamente desta forma, com tais conceitos. Começou a pensar mais sobre o assunto, a fim de planejar chegar à fonte destas palavras pronunciadas pelo pai por muitas vezes, para que, quem sabe entendendo a fonte, pudesse entender a estranheza que sentia frente os conselhos dados pelo pai.

domingo, 9 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 3





   Nome dado, talvez bem dado. O fato é que Martinho cresceu e muito aprendeu com o pai no que diz respeito à arte de copiar chaves. O pai só se lembrou da tal teologia quando foi chegada a hora de nominar o filho, e o filho só se deparava com a mesma aos domingos (apenas alguns), único dia da semana em que visitava a pequena congregação da qual lhe nascera o nome. Isto quando de fato a tal teologia aparecia na congregação. Talvez ela fosse ainda menos frequente que Martinho e seu pai. Eis aí algo mais que aproximavam Martinho e a tal teologia: a pouca frequência aos cultos.

    Martinho cresceu ouvindo muita coisa e entendendo menos da metade delas. Trindade, salvação, céu e inferno, bom e mal, comer o corpo de Cristo e beber do seu sangue, arrebatamento, línguas estranhas, dom de maravilhas, destas coisas todas, nem metade Martinho entendia. Mas de uma coisa ele sabia e fazia questão de lembrar-se de todo dia:

- O meu nome é importante, pois vem do tal de protestante.

    Martinho nunca entendeu muito bem a casualidade do tal protesto do homem que originou sua alcunha. O pouco que sabia era que o homem tinha tido algumas desavenças com os padres. Isso ele não entendia muito bem. Pessoalizava a história de seu nome a todo o tempo. Nunca foi lá muito simpático ao padre da cidade, que por sinal tinha muito mais carisma do que todos os pastores que já haviam passado pela congregação por ele frequentada. Não entendia muito bem o porquê protestar contra um padre, já que a única imagem que tinha de um padre era a do que ele conhecia pessoalmente. Também não tinha toda simpatia do mundo pelo padre, já que o padre não falava de futebol nem das garotas mais belas da cidade, que eram os dois assuntos que mais interessavam a Martinho. Nesse ponto, os pastores que Martinho conheceu pareciam-lhe mais cativantes. Mas, ainda sim, esse motivo não era suficiente para Martinho protestar contra o padre, como fez o seu tocaio.

  Martinho cresceu e aos poucos foi deixando de lado a busca pelo que protestar para desgosto do pai. Como dito antes, Martinho estava mais ocupado com o galanteio às garotas e os gols do seu time do coração, e não havia quem lhe convencesse de que havia coisa melhor para se observar no quotidiano. Seu Arnaldo lhe deu o nome, mas não os motivos para que ele protestasse e desse algum sentido ao seu epíteto. A pequena cidade, aparentemente, também não lhe dava bons motivos para protestar. Tudo muito pacato, tudo muito sereno, e Seu Arnaldo transmitiu ao filho juntamente com o nome, a pré-disposição em ver que tudo estava bom como estava e sempre estaria, e que se algum dia viesse a ser diferente disto, era preciso em tudo dar graças. Aos olhos de Seu Arnaldo, não parecia contraditório ter um filho que tivesse o nome em alusão ao tal de protestante, mas que desse graças por tudo e que não visse mal em nada. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 2




O senhor Martinho especializou-se na arte de copiar chaves. Sua loja, muito bem localizada em um bairro bem movimentado da capital paulistana, sempre foi bem frequentada. Martinho nunca foi lá muito atento às conversas que circulavam no estabelecimento. Isso não queria dizer que ele fosse exatamente desatento para com a clientela. Na verdade, a atenção de Martinho estava toda  em fazer o serviço bem feito, e de “sim, sim” e “não, não”, que poucas vezes eram substituídos pelo seu pensativo e longo ‘hum”, o bom chaveiro envolvia-se com os curiosos casos levantados pelos clientes. Ora, de fato sua clientela não era da mais alta camada da intelectualidade social, nem tampouco da mais tenra classe dos desprovidos de esclarecimento. Sua clientela era composta de gente simples como ele, mas que estava um pouco mais acostumada a questionar a vida, ainda que raramente.

    Não é por acaso que o senhor Martinho não se ocupava muito em aventurar-se nas nuances, um tanto quanto filosóficas, de seus bem quistos fregueses. Martinho, homem bem acostumado com os costumes, não se queixava muito da vida e estava sempre a afirmar:

- É preciso dar graças! Em tudo, dar graças.

    Martinho não era dos mais religiosos, levando-se em conta  aquilo que os seus entendiam como ‘mais religioso” era reconhecido pelo fato de um individuo estar presente e ativo em algum tipo de comunidade religiosa, com alguma organização (ainda que mínima) eclesiástica. O homem nunca foi lá de muito compromisso para com a pequena comunidade cristã que frequentava, a dois passos de sua casa, e de mais uns dois de sua loja. O nome que têm veio exatamente da criação que teve. E muito provavelmente, assim como seu filho, talvez não tivesse chegado a conhecer um pouco mais sobre suas próprias crenças se não fosse pelo nome que seu pai graciosamente havia lhe cedido. Esta história ele estava cansado de ouvir desde criança, tal qual Vincent estava cansado de ouvir também.

- Foi num belo culto de Natal, na pequena igrejinha de minha simples cidadezinha que nasceu seu nome, filho meu. Ah! Se não tivesse anunciado que naquele dia viria o homem douto da capital, talvez eu não tivesse ido àquele culto, nem seria quem sou, nem você existiria e, se viesse a existir, teria um nome mais belo, mas com toda a certeza, nem um pouco mais ilustre.

    Sim. Esta era a história do pai de Martinho. Seu Arnaldo, mais conhecido na cidade como “o homem das chaves”, também não era lá homem muito interessado em política, religião e todas essas coisas que ele dizia serem bem admiradas pelos “homens doutos da cidade grande”. Mas, vez ou outra, o simples homem em meio a ociosidade do tempo vago que se tinha em sua loja, questionava boa parte do que ouvia e até mesmo do que ele mesmo dizia aos que lhe ouviam. Muitas certezas e poucas dúvidas, mas destas poucas nasceram a visita àquele culto. O homem estava ansioso. Há mais de dois meses já havia observado o anúncio na porta da igreja e o assunto era bem comentado entre os poucos clientes que tinha.

- Ora, não acontece nada de novo nessa cidade, Seu Arnaldo! Borá lá, nem que for de abelhudice, ver o tal de protestante!

     Entre os fiéis da pequena cidade o tal do termo muito ouriçava. E diziam que o homem, além de protestante era formado na tal teologia. Outros diziam até que era historiador. Outros que ele seria um grande psicólogo também, ainda que não soubessem exatamente o que seria este "nome chique" e outros mais ainda, que o tal homem era milagreiro dos bons e que não cobrava nada além de um abraço do felizardo que fosse curado de qualquer mal por uma simples palavra dele.

- Eita coisa doida! Tenho que ver esse diacho de protestante que além de protestar na igreja, ainda é doutor da tal teologia.

    Chegado o dia do tão esperado culto de Natal, eis que, depois de algumas belas canções e uma peça de teatro interpretada pelos mais jovens da congregação, o tal do homem douto é convocado a se apresentar no púlpito do pequeno templo.

- Mais de duas horas de falatório, Argemiro. Deus do céu, eu não vi nada de protestante no tal homem. E de tudo que ele disse só me lembro do nome do homem que peitou os padres. Martinho. Nome simples e curto, que de tão curto foi a única coisa que ficou na minha mente. Mas de toda a forma, eu quero saber mais dessa tal teologia. E se essa tal teologia der algum tostão, tenho ainda mais interesse.

    Obviamente que passados alguns meses, Seu Arnaldo buscou conhecer um pouco mais a tal teologia. Nada de tão chique como insinuavam viu na coisa toda. Logo se desinteressou por conta dos nomes difíceis que viu dentre os poucos textos que leu da biblioteca escondida nas pequenas salas da igreja. Percebeu mais cedo ainda que a coisa toda não fosse lhe dar mais dinheiro do que as chaves que copiava. Principalmente por que de milagreiro ele nada tinha. Tampouco o tal do “homem douto e protestante”, para sua frustração. O maior milagre que o homem douto poderia fazer era convencer a todos que era douto. E o maior milagre que o Seu Arnaldo poderia fazer, até aquele momento, eram umas cópias de chaves muito bem feitas.

    De toda forma, o “homem das chaves” continuou com seus milagres e resolveu deixar de bisbilhotar a tal teologia. Só se lembrou da mesma quando o filho nasceu. E na falta de nome mais sugestivo, querendo que seu filho fosse santo mais nem tanto, o presenteou com “Martinho” de nome, e “ dos Santos” de sobrenome, sendo “Dos Santos” da família, pra honrar a tradição, e Martinho da tal teologia, pra ver se o tal menino fosse afim  de achar alguma coisa pra peitar e protestar, que de preferência não fosse o padre da cidade, que por sinal, não tinha nada a ver com isso.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 1



Possivelmente não teria chegado a conhecer a arte do impressionismo se não fosse por seu nome. Nome este graciosamente cedido por seu pai, que nada conhecia de arte além das músicas tidas como cafonas pelos ditos mais cultos. Para ele aquilo era a própria arte. Aliás, de artista o pai de Vincent dizia ter muito. Vincent cresceu e se apequenou ouvindo as canções do pai, que ele mesmo não acreditava ser de grande importância, mas que, por serem cantadas pelo homem que lhe aguçava os ouvidos ao falar das coisas simples da vida, se tornavam se não belas, (ou ao menos suportáveis). Delas e de seu pai Vincent tirou a inspiração para começar a pensar no que seria inspiração. Aliás, o próprio Vincent começou a assim pensar exatamente por perguntar a si mesmo se para respirar era necessário ter algum tipo de inspiração. Inspiração, respiração, inspiração, respiração. E nesse desencontro, se encontram todas as suas presentes dúvidas, e por que não dizer, as futuras também.

O garoto (que nunca foi garoto) chegou a certas conclusões na adolescência que não teve. Chegou a pensar que pensar não faria sentido algum, mas quando se viu pensando desta forma, as coisas já não faziam sentido há algum tempo. Ora, se falarmos só de Vincent não entenderemos o que de fato é Vincent, nem o que ele poderá vir a ser, muito menos o que ele quer ser. E, entendendo um pouco o que é e o que pode ser Vincent, quem sabe poderemos entender quem somos também. A história é um misto de eu com tu e de nós com eles. Mas, quase tudo que perdura os passos de Vincent, em meio às suas inspirações e respirações, têm um pouco a ver conosco. Seu pai, como já dito antes, só conhecia uma arte e só dela gostava: a da cafonice.

- Brega? O que é isso? Isso é bom ou ruim? Se o que ouço e gorjeio é isto que chamam de ‘brega”,  esse tal de “brega’ só pode ser algo excepcional!!!

É. A modéstia quase sempre esteve longe do pai de Vincent. Principalmente quando se tratava de música, um pouco mais quando se tratava de política e muitíssimo mais quando se pretendia dizer qualquer coisa relacionada ás suas crenças. Nesse contexto, Martinho, homem simples como boa parte dos homens interioranos que com ele pularam da infância à embriaguez da fase adulta em questão de meses, fez questão de ensinar ao filho que arte, fé e política eram algo que até poderia vir a ser interessante de se discutir, desde que o esperneio todo do debate não mudasse  a sua opinião sobre qualquer um dos assuntos. A coisa toda se tornaria ainda mais atrativa se o opositor da conversa referida se estrebuchasse e mudasse de opinião, ou desistisse de prosseguir com seu intuito em tentar dialogar sobre o referido ponto de vista entre qualquer dos assuntos citados acima. Vincent, que nunca foi criança nem adulto, achou isso bem esquisito desde o principio. Na verdade, ele chegou à conclusão de que tudo era bem insólito desde o princípio do princípio, sendo que o próprio princípio nunca foi lá muito claro. E isto, nunca chegou ao fim.