Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI - Os segundos sintomas e intenções



    O pecado de pensar já foi cometido, e juntamente com ele, as consequências do mesmo. As primeiras inquietações não foram suficientes. Vieram as segundas, as terceiras, e com elas, o gosto pela coisa. Toda a história começa com uma pré-história? Eu não sei a resposta para esta pergunta, apesar de ser formado justamente em História. Bom, nada é perfeito e tudo é nada.

O gosto pela dúvida é alimentado pelas respostas. Quanto mais dúvidas, mais respostas. Mas, deve ter tido uma dúvida inicial, mas como lembrar em meio a tantas surgidas nos últimos tempos. Bom, eu não sei qual é a dúvida inicial de um ser que finalmente resolve se entender como pensante. Mas, uma coisa posso afirmar, apesar de óbvia: a primeira dúvida veio de uma grande certeza. Isso mesmo. Mas, por que referir-se a algo tão óbvio?

Sempre tentei ser próximo das pessoas. Acho que, todos que passaram pelo meu caminho, provavelmente tiveram a oportunidade, ao menos uma vez, de me ter como um cara que puxava o assunto, que tentava a aproximação. Outros tiveram meus telefonemas, algumas horas no MSN proseando, na porta de casa, em uma esquina, enfim. Minha proximidade com as pessoas não se deu só por meio das relações de amizade, também se deram por todos os trabalhos que passei até hoje. Sempre trabalhei de maneira direta com a sociedade, lidando diretamente com as pessoas e, ultimamente, ouvindo-as demasiadamente. Inicialmente, cheguei a algumas conclusões sobre os seres humanos que convivem comigo no presente século. Dentre elas, a que grande parte das pessoas que cruzaram o meu caminho tem muitas certezas. Pensando um pouco melhor, que todas elas pensam que tem grandes certezas, mas na verdade estão cheias de dúvidas. Justamente por que? Exatamente pelo fato de que certezas sem dúvidas, sem a busca pela ponderação do raciocínio só geram mais certezas duvidosas, e consequentemente, mais dúvidas escondidas.

Resolvi imitar a alguns que vieram antes de mim, convidando-os a um jantar no meu castelo, no salão de festas. Um baile sem máscaras, onde todos possam mostrar o que se esconde por trás de suas certezas duvidosas. Tomei gosto pela coisa. Parece que estou viciado. Um pecado que não é passível de arrependimento como este, não é de todo estranho que leve os homens ao vício.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI - Os primeiros sintomas


     Tudo começa com dúvidas. Não é muito comum que a primeira dúvida seja "é pecado ter dúvidas?", mas é quase certo que todo aquele que se põe a duvidar de algo, ou até mesmo de tudo, chegue a tal indagação. Nem sempre a ideia de pecado empregada no enunciado da questão proposta está inserida em um contexto religioso. Nos atuais dias, pecado pode se traduzir por incomum, singular, excepcional. Parece que Deus e o comum, o normal e o aceitável devem andar juntos. A unanimidade  mediante algumas leituras de mundo, comportamentos e tendências parece ser algo santo e que não pode ser vendida ou trocada por absolutamente nada. O que há de mais assombroso nisto, é que esta doutrina ortodoxa que impõe a forma e a direção pela qual devemos andar, venha de um livro que, ao meu ver, apresenta homens e mulheres que fizeram exatamente o contrário do que os que extraíram tal ortodoxia destes livros fazem: cutucar a colmeia do status quo.

     A alguns meses venho ensaiando o início destes textos. Já havia comentado com inúmeros companheiros desta dura jornada, minha intenção de iniciar algo mais pessoal, que falasse um pouco mais sobre a minha trajetória até descobrir o que pretendo evidenciar que todos devem também constatar: que sou (somos), um ser pensante. Não havia ainda achado ocasião demasiadamente propícia para começar os textos. Sim, assuntos não faltam, nem vivências, apesar da pouca idade. Mas, ao me deparar com os primeiros episódios do seriado The Walking Dead, na rede Bandeirantes de televisão, e logo depois no Youtube, acho que me senti a vontade para começar a mexer os dedos.

    Sempre me senti incomodado com as palavras de Cristo "não jogueis pérolas ao porcos". Quem define que são os porcos? E quem de nós pode saber o que são as pérolas? Pois bem, a questão não é tão simples quanto parece, e se boa parte dos que citam estas palavras tivessem consciência disso, não as desperdiçariam tolamente. O seriado em questão apresenta a mesma indagação, mas em outras palavras. Deve-se matar os zumbis. Mas, zumbis ou humanos doentes? Quem está apto a fazer a diferenciação de uma coisa e outra. Bom, as respostas para estas perguntas não são fáceis.

     Todos os carros estão em uma mesma direção. Apenas um homem e seu cavalo estão indo para o lado oposto. "Se você não vai, não impeça a mim" - quantas vezes  ouvi minha mãe cantar este verso? Foram muitas. Me parece ser exatamente o que acontece nos atuais dias. Tudo começa com a dúvida frente a realidade de que os zumbis existem, estão indo para uma mesma direção e, será que é vantajoso ir na direção oposta? Quais os lucros e perdas consequentes desta escolha? E se escolhemos ir juntamente com eles, rumo ao certo? Quais as vantagens? E as desvantagens? 


    Tomei conhecimento de um sábio profeta a algum tempo, mas só nesta madrugada resolvi dar-lhe a devida atenção. Zaratustra é o seu nome. Ele escolheu ir na direção oposta também. Pobre e feliz homem. A direção oposta lhe concede a paz de espírito, e com ela o temor pela falta de paz que emerge dos que veem a paz que seu espírito propõe. Os atuais dias e homens do presente século assim também o são. Por um breve momento, deixo-lhes com as palavras deste sábio ser.

"Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme. Noutro tempo fostes macaco, e hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos."


    Vejo o Espírito de paz nas palavras do sábio persa. Quem têm ouvidos ouça, o que o Espírito diz ás igrejas. 

     

     

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 8




— Pois bem Vincent. No momento estou um tanto quanto atrasado como você pode notar. Seja breve.

Não era exatamente a resposta que Vincent anelava frente a sua iniciativa, mas contentou-se com a breve resposta. Pensou em um piscar de olhos de como iniciar a conversa sobre o sermão proferido pelo pastor no último culto, sem incomodá-lo em sua ida ao trabalho, e sem ofendê-lo, colocando em questão que não era a primeira vez que ouvia tal sermão por parte de sua autoridade eclesiástica, e que exatamente por ter ouvido este sermão por algumas vezes, o mesmo acabou fixando-se em sua mente.

— Sabe, gostaria de falar sobre o último sermão que o senhor discursou.

— Hum. Prossiga meu jovem.

 Vincent não sentiu muita boa vontade da parte do pastor em lhe ouvir naquele momento. Faltava naturalidade em sua expressão ao proferir as palavras que pediam para que o jovem desse continuidade ao seu relato. Vincent decidiu rapidamente que não seria uma boa hora para falar sobre o assunto com o pastor. O mesmo nunca havia parado para conversar de maneira mais prolongada com seu pai, que dirá com ele, e não seria desta vez que Alberto o faria, tendo em vista a sua situação para com o horário.

— Percebo que seria inconveniente de minha parte afortuná-lo neste momento com minhas questões frente o seu último sermão pastor. Deixemos para outra ocasião.

Atento para com a preocupação de Vincent, Alberto achou por bem marcar um horário com o rapaz para ouvi-lo. Alberto, apesar de sempre estar apressado e não dispor de muita atenção para com os chaveiros, sempre observou no garoto, apesar de tê-lo ouvido poucas vezes, um comportamento fora do comum. Das poucas vezes que Vincent se dirigiu a ele, foi de maneira diferenciada, sempre ponderando as palavras e tratando-o com um respeito admirável, coisa que Alberto não notava nos jovens de seu bairro, e, consequentemente, dos poucos que ainda frequentavam a sua congregação.

— Pois bem jovem chaveiro, que fique esta conversa para outro momento mais oportuno. Façamos um trato. O que achas de termos esta prosa em algum dia de culto, de preferência antes do mesmo? Tens por especial algum dia da semana? Um Sábado talvez.

Contentou-se Vincent com a proposta do pastor. Torcia, enquanto ele dizia, para que o mesmo não marcasse a tal prosa para a próxima Quarta, tendo em vista que o jovem gostaria muito de ficar em casa para acompanhar a rodada do campeonato nacional. Sendo assim, concordou que a próxima Quarta seria o dia ideal para a conversa. Haveria então apenas dois dias para que o chaveiro aprendiz estruturasse melhor a maneira como abordaria a questão frente Alberto.

A Segunda feira não custou muito a passar. Vincent, como de costume, foi direto do trabalho para a escola. Cursava o último ano do Ensino Médio em um colégio estadual. A pressão para que escolhesse o que iria cursar após o término desta fase de seus estudos era grande. Mais por parte de si mesmo do que de seu pai. Seu pai apenas lhe pressionava quando citava a pretensão que a mãe do garoto tinha em dar ao filho a chance de estudar medicina. Mas, o próprio Martinho não se preocupava muito com essa questão. Se o filho ganhasse dinheiro suficiente para sobreviver, ótimo. Na verdade Martinho ansiava por ver o filho fazer algo de importante, dando alguma notoriedade à família.  Vincent bem sabia disto. Percebia a ênfase que o pai dava ao contar o porquê recebeu o nome de Martinho e, consequentemente, o porquê deu a alcunha de Vincent ao garoto. Vincent ocupava-se em se preocupar com o amanhã. Haveria de conciliar de alguma maneira aquilo que seu pai almejava. Sabia que seu pai lhe desejava o melhor, o natural.

Pois bem, algo há de se dizer aqui, frente os fatos colocados anteriormente.  Vincent não se contentou só com a preocupação instintiva do pai em ver-lhe independente em um futuro próximo. Passou a preocupar-se também com o sonho do pai: fazer algo notório, que desse algum sentido a sua existência. Passou então a preocupar-se com a forma pela qual haveria de viver, deixando a preocupação para com a sobrevivência para algum outro momento, onde tivesse algum tempo sobrando para pensar sobre, assim como fez o pastor para com a sua prosa. Vincent já sabia com o que haveria de preocupar-se e juntamente com isso, também o que colocaria em questão na prosa marcada com Alberto. 

sábado, 12 de janeiro de 2013

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 7





Em mais uma manhã agitada, com trânsito intenso na cidade de São Paulo por conta da chuva, eis que estava em sua loja, Martinho e seu filho. O pai, como sempre, ocupava-se em não se distrair com o serviço, dando vazão para assuntos tratados por terceiros raramente, mais comumente quando se tratava de futebol. Vincent como sempre, ocupava-se do trabalho, mas com sua mente sempre distante. Continuava preocupado com a sua preocupação com o amanhã condenada pelas palavras de Cristo, segundo o pastor Alberto. Vincent ansiava pela passagem do pastor, como de costume.

Alberto sempre costumava passar tranquilo. Trabalhava em uma editora não muito longe de sua casa. Dificilmente ia de carro. A editora estava começando, pegando no tranco, ainda não tinham condições de ter um grande prédio em uma região mais central da cidade, onde a visibilidade seria maior. Por isto e para economizar, Alberto preferia ir andando ao trabalho. Em dias de chuva como aquele, era grato a Deus por ter de realizar sua labuta diária não muito distante de sua moradia. Mas, havia um problema com o fato morar tão próximo a editora, e este problema costumava sinalizar ainda mais em dias de chuva, quando Alberto sempre sentia um pouco mais de sono e continuava na cama, mesmo após o celular avisá-lo que já se passara meia hora do horário que comumente se levantava para se dirigir à editora.

Vincent aguardava ansiosamente naquela segunda feira a passagem do pastor por ali, mas não entendia o que de fato estava acontecendo. Já se passara uma hora do horário que o pastor habitualmente passava por ali dando seu bom dia, fazendo algum breve comentário sobre a rodada futebolística do dia anterior e da próxima quarta-feira, perguntado a Martinho qual sua opinião sobre. Vincent criou então mais uma expectativa frente o último sermão do pastor que tanto lhe intrigou.

— Teria o pastor Alberto seguido ao pé da letra as palavras de Cristo, deixando-se de preocupar-se com o amanhã e abandonado o trabalho na editora, unicamente para consolidar sua pregação com suas ações, preocupando-se com seu bom testemunho perante tantos que o assistiam, entre os quais eu?  Ah, acredito que não. Acredito que eu não tenha entendido exatamente o que quis dizer o pastor sobre o fato de ter Cristo reprovado a sua preocupação com o amanhã. Deve ser desnecessária a literalidade de tais palavras ao seu pensar em uma prática das mesmas — pensava consigo o garoto.

Passados alguns minutos, eis que surge o pastor Alberto. Iria passar despercebido. Estava atrasado e não tinha a intenção de cumprimentar os chaveiros. Mesmo sabendo que não costumavam encetar nenhum assunto, preferiu não correr riscos. Mal sabia Alberto o que lhe aguardava. Seriam tanto ele como Vincent e Martinho, surpreendidos naquela manhã chuvosa. Antes que o pastor pudesse passar desapercebido, apesar de andar de maneira rápida e silenciosa, preocupando-se em desviar-se das poças e colocando o guarda-chuva por sobre o rosto para evitar qualquer reconhecimento por parte dos chaveiros, Vincent já havia o reconhecido só pelo jeito de caminhar. Como disse anteriormente, o nobre chaveiro não estava lá muito atento para com o trabalho. Naquela manhã, para azar do pastor que já estava atrasado demais e preocupado para com a desculpa que daria ao seu patrão e subordinados frente o seu atraso, o pastor Alberto haveria de ter algumas preocupações a mais. Logo surgiu o bom dia de Vincent, e a iniciativa de um bom dia acompanhado do “poderia falar um momento com o senhor?”, iriam fazer toda a diferença no percurso da vida destes três homens.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 6




O silêncio que pairava sobre Vincent no que dizia respeito a sua mãe, não se fazia sob a mesma proporção para outras questões. Vincent sempre tentou ser ponderado em suas colocações e indagações, apesar de serem muitas e difíceis de segurar. Vincent parecia não levar muito jeito para a medicina. Também não levava muito jeito para a arte futebolística, o que contentaria muito seu pai caso o garoto viesse a ser um profissional do ramo.

- Pelo visto, nada que dê dinheiro e prestígio me serve. A sorte que serve a poucos resolveu me deixar junto com a multidão de anônimos como meu pai, meu avô e todos meus antepassados – pensava com alguma frequência.

Não foi fácil para Vincent escolher como primeira profissão ser ajudante de seu pai. Aprender a copiar chaves não era lá algo muito original. Aprender a copiar o pai e o avô, tampouco. Cópias, originalidade, mesmice e novidade. Palavras que sempre acompanharam os pensamentos presentes e futuros de Vincent, desde que se entendeu por gente.

Certo dia, em um dos poucos cultos que frequentava com seu pai, o pastor dirigia empolgado o seu sermão sobre escolhas. Usou um texto que era usualmente usado. As pregações do pastor Alberto costumavam ser repetitivas.

- Ora, não se pode preparar um discurso por dia. O ano tem 365 dias, e metade deles temos cultos em nossa congregação, além das vezes que sou convidado a pregar fora dela. – costumava ser a justificativa do pastor à sua esposa, já que a mesma sentia-se acanhada quando seu marido proferia o mesmo sermão do mês retrasado em algum culto com menos presentes.

Em mais um de seus usados sermões, o pastor Alberto resolveu falar de um tema que gostava: preocupação com o amanhã.

- Não devemos nos preocupar com o amanhã. Deus há de prover tudo, como proveu aos seus escolhidos, desde os tempos do patriarca Abraão até o crescimento da Igreja em Jerusalém e em toda a Judeia. Confiem Nele! Confiem Nele!

Esse tipo de mensagem chamava a atenção de Vincent, tendo em vista que o mesmo sempre estava preocupado com a preocupação que tinha com o dia seguinte. Preocupava-se por que seu mentor espiritual exortava diante de centenas de pessoas que a preocupação com o dia de amanhã para aqueles que são os escolhidos seria uma futilidade. Vincent pensou bem sobre o caso e resolveu esperar o momento oportuno para pedir um aconselhamento ao pastor sobre a sua preocupação com o “preocupar-se com o amanhã”. E este momento como de costume chegou. Alguns dias após Vincent muito matutar, eis que surgiu a oportunidade. O pastor Alberto, sempre apressado, resolveu parar por alguns minutos na loja de Martinho e Vincent para esperar a chuva passar. Ali estava uma excelente oportunidade para Vincent descobrir qual seria a chave para a distração com relação ao amanhã. Acreditava que o pastor tinha a solução, já que ele dizia sempre que isto era possível por meio da fé. Pois bem, era a hora de Vincent comprovar se de fato o pastor tinha a fórmula mágica para que tal fé fosse despertada em Vincent.