Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Inquietações de um doente


    "O hospital dos homens se constitui por repetições de escolhas. Muito cedo aprendemos a escolher o mesmo que todos nossos antecessores e, como consequência imediata disto, já escolhemos passar pelo mesmo hospital. 

    As receitas são lidas, poucas vezes compreendidas. Na verdade, boa parte dos pacientes às compreende, pois a vida é uma doutora que não costuma escrever de forma ilegível. Somos nós, os pacientes, que fingimos não saber o que apontam as palavras registradas na receita.

    Será que gostamos das doenças sociais? Será que nos apoiamos nas justificativas que acompanham nosso atestado, para fugirmos do remédio, para fugirmos do árduo trabalho da mudança? Por certo tenho que nós, todos os doentes e diagnosticados, nos inflamamos ao ver a morte coletiva, mas agimos como se vivêssemos no esplendor da saúde."

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI - Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã




    Quando se encontra o Ser Pensante que existe desde o princípio, dentro e fora de ti, se encontram as imensas inquietações que insistem em serem afogadas no oceano chamado sociedade. A sociedade é o tubarão que está à beira do barco esperando que a primeira dúvida derrube o tripulante, a fim de que ele, ao cair, se desespere com a força do mar a sua volta e comece a se debater, facilitando assim o trabalho do predador. Muitas vezes o predador parece estar contigo, dentro do barco, a ponto de te jogar para o mar a qualquer momento, pois ele mesmo nunca deixou esse mar.
 
    Me parece que as dúvidas iniciais se tornam perigosas quando as certezas advindas da busca em superá-las tornam-se por demais separatistas. Não acredito que não exista ao menos uma gota de radicalismo nas certezas. Falo do radicalismo no sentido de não vender por preço muito baixo algumas certezas conquistadas depois de muito refletir sobre. Esse radicalismo (se é que assim podemos dizer), não é nada mais do que a fidelidade de um homem para com a sua consciência. Porém, os pensantes e sinceros correm um risco muito grande: julgar todo e qualquer indivíduo fora das suas convicções como inimigo pronto para atacar.

    O homem que muito provavelmente tenha existido no Oriente Médio, que hoje é venerado por um montante de devotos institucionalizados, que resolveram dar padrões e mais padrões para que se pudesse entender e praticar as palavras deste homem, não entenderam que ele propôs algo por demais difícil de ser padronizado: o amor incondicional. O amor incondicional nos faz questionar concepções de justiça quase que em toda e qualquer situação que reclame a participação desta confusa definição. Para o popular, não é muito difícil definir justiça. Justiça parece facilmente se resumir à vingança frente uma transgressão cometida por um individuo, ou a um determinado grupo.

    Tentar pensar e viver pelo viés do amor incondicional não é tão simples, apesar de o ser ao mesmo tempo. Amar é algo simples, o problema está na relativização deste verbo quando posto em prática. Bom, uma coisa parece certa: padronizar o amor talvez seja um erro. Padronizar indivíduos compostos de individualidade intrínseca talvez seja um grande engano que cometem os desesperados pela razão da ética.

   Para quem ainda insiste em tentar descobrir em si mesmo o que é viver este amor incondicional, fica aqui a minha palavra de cunho lenitivo para a dor da angústia que nos persegue: sim, isso mesmo, ela persegue à nós, eu e você e também eles. Não estamos sozinhos. Nem você e nem eu. A expectativa dos desgastados por esta angústia e que resolveram se entregar a ela é convencer os que ainda não se entregaram a desistência. Amá-los é a cura para tal mal, e só pode amar incondicionalmente quem não desistiu de compreender o que é isso e que ainda acredita na possibilidade de que muitas pessoas persigam e encontrem este amor que existe tal qual o ar que eu respiro.

    Mas é claro que o sol, vai voltar amanhã.

   Mas é claro que alguém além de você e eu acreditou nesta possibilidade.

  Mas é claro que tantos outros, alguns em suas cavernas, florestas e montes, no anonimato que vai de encontro aos loucos que ainda ousam ter fé em si e nos outros, estão acreditando nesta possibilidade.

   Crê somente.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 10




Vincent costumava prestar a atenção suficiente nas aulas ministradas em sua escola, com a finalidade de ter em mente o básico para sua aprovação ao término do ano letivo. Sempre que podia, acabava por arrumar algum tempo, no meio das aulas, para prosear com seus colegas de classe. A sua frente costumava sentar-se Ivan. À sua direita, Rômulo. À esquerda, William. E a única garota pertencente ao quarteto filosófico do “meio de aula” era Sofia. Os amigos eram diferentes em diversos aspectos, mas muito semelhantes na maioria deles. Vincent era tímido ao extremo para com garotas, e dificilmente se dirigia à Sofia para pedir algum conselho frente seus inúmeros pensamentos. Geralmente interagia com a garota apenas rindo das colocações engraçadas da jovem em assuntos sobre o cotidiano. Sofia gostava de ser sarcástica, e sabia que isso lhe dava alguma notoriedade entre os garotos. Por sinal, ela tentava de todo o jeito que as garotas fizessem uso do mesmo sarcasmo para com os companheiros de classe, a fim de valorizar a participação feminina nos diálogos mais importantes.

— William. William.

— Diga Rômulo.

— Tens percebido o quanto Vincent está pensativo nos últimos tempos?

— Ora Rômulo, Vincent sempre foi assim. Nunca foi de falar demais e, quando fala, geralmente é para expor suas dúvidas com relação à vida.

— Sim William, mas ultimamente ele está ainda pior. Parece carregar sobre a sua mente um peso, uma preocupação. Está com cara de cansado.

— Todos nós estamos fadigados da escola e de termos que conciliar a mesma com nosso trabalho durante o dia Rômulo. Vincent deve estar ainda mais preocupado por temer que seu destino seja a rotina de seu pai, ou seja: viver a vida toda copiando chaves, sem tirar a bunda do maldito banquinho do chaveiro.  O único de nós que não parece nem um pouco inquieto para com o futuro é Ivan, já que seu pai já lhe prometeu bancar o curso que ele escolher para a faculdade. O resto de nós depende de alguns milagres, além de muito esforço.

— Bom Will, estou preocupado por que Vincent já sofre e se preocupa demais desde muito cedo, já que nunca teve mãe.

— Sim Rômulo, eu sei disto. Vamos tentar nos concentrar no texto proposto pelo professor para respondermos às questões avaliativas e depois falamos melhor sobre.

William era o tipo de cara que achava que tudo estava sempre normal. A normalidade era admirada por ele. Problemas e soluções eram normais, e se os dois estavam presentes na vida de alguém, era sinal de que esta vida provavelmente estava sendo bem vivida. Mas de que tipo de problemas e soluções estamos falando? Preocupações e despreocupações. O círculo vicioso da normalidade que William tanto admirava. Rômulo já se comportava de maneira totalmente contrária. Era observador. Procurava qualquer sintoma de anormalidade em um mundo normal demais para o seu gosto. Inquietava-se com o silêncio que se estendia por muito tempo, mas também sentia incomodo nas palavras em excesso. A anormalidade era perseguida por Rômulo. Os dois não costumavam cochichar pelas costas de Vincent, já que o mesmo também parecia perseguir a anormalidade, e não acharia muito natural que seus companheiros de classe estendessem uma longa prosa por suas costas.

 O fato de Vincent deixar passar por despercebido este diálogo já evidencia o quanto sua mente estava longe. Para Rômulo, que continuava por perseguir a anormalidade que havia nas ações de seu amigo, isto era de se estranhar. Para William, que adorava ter tudo como natural, isto era propício ao momento que viviam e às características de Vincent. Ousaríamos dizer que a perseguição pela anormalidade em nossas ações é companheira dos amigos mais atentos aos nossos passos, por capricho ou por fruto da boa árvore de uma verdadeira amizade? Rômulo e William podem intrigarmos ainda mais quanto ao caso.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Reflexões do cotidiano




               Todos já falaram muitas coisas sobre o Malafaia. Acho-o detestável, mas vou apontar um aspecto positivo nele: ele dá a cara pra bater. Aparece na TV, no rádio. Muita gente pensa como ele, mas não fala abertamente sobre. 

    Todos sabem como o protestantismo tradicional se posiciona com relação a temas como a homossexualidade e o dízimo. O que o Silas Malafaia "prega", é pregado na grande maioria dos púlpitos do Brasil desde que os primeiros missionários aqui pisaram. Silas Malafaia é só mais um dos muitos. Um bode expiatório.

     Olho para a entrevista do Malafaia de ontem e vejo nele, no que diz respeito a dogmas, o evangélico que eu fui, o evangélico que meu pai é, o evangélico que muitos amigos meus são, o evangélico que molda boa parte da nossa sociedade. A diferença entre eles? O Malafaia tem coragem de falar o que pensa. O resto, o deixa na mão. 

    Não concordo com a crença do Malafaia de que a Bíblia aponte o homossexualismo como pecado, mas também não acho que ele deve ser proibido de acreditar nisso. Meus pais e muitos amigos cresceram com estas crenças e não são nazistas.  Vigiemos para com o sensacionalismo.

    E, repito, para mim um casal de homossexuais pode ser tão, ou mais abençoado (feliz), que um casal hétero  cristão e os "caraio a quatro". Silas Malafaia não é um novo Hitler. Existe muito sensacionalismo nisso tudo. O que ele prega não é novo. Onde estão os crentes que pensam como ele? Sumiram todos! Apareçam hipócritas!

    Você tá aí criticando o Malafaia, mas assim como ele, acredita que quem não professar a mesma fé que você vai queimar em um lago de fogo eternamente. Diz que ele é preconceituoso, mas também acredita em um dos maiores preconceitos já inventados pela religião: a de que os homossexuais já estão condenados ao inferno. Diz que o Malafaia é ladrão, mas contribui com o seu salário para a construção de templos e mais templos feitos de cimento e tijolos, mas não tem coragem de usar esse mesmo dinheiro para investir nos templos de carne e osso, onde Cristo habita. 

                A sociedade tem os políticos e os líderes sacerdotais que ela merece

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O chaveiro da Casa sem portas- parte 9




O restante da semana foi marcado pela inquietação da espera pela conversa definida para o Sábado vindouro. Claro que Vincent passou a ocupar-se de outros pensamentos e vivências, mas seu coração estava na conversa que teria mais adiante. Martinho gostaria muito de saber o que o garoto tanto gostaria de conversar com Alberto, mas decidiu inquietar a sua curiosidade. Durante toda a semana, Vincent também havia de preocupar-se com algumas questões do cotidiano. Era época de provas na escola. Os professores não eram lá muito exigentes, mas Vincent também não o era para com os estudos. Não via sentido em ter que ler e memorizar assuntos, textos, falas e datas que seriam inúteis logo em breve. Não sentia alma em algo que tinha como principal valia, dar o respaldo necessário apenas para se formar, ter um diploma, que o deixaria apto à ingressar no tal mercado de trabalho. Alguns colegas de classe e também seu pai discordavam desta forma como Vincent via as coisas.

Todos os dias, Vincent saía da loja de seu pai apenas duas horas antes do horário de entrada da escola. Desde o primeiro ano do Ensino médio estava no período noturno. Sentia-se mais maduro por estudar a noite. Sentia que a maturidade florescia em boa parte de seus companheiros de classe, justamente por lidarem com esta nova realidade, da conciliação do trabalho diurno com os estudos noturnos. Estava no inicio do ano letivo, este que seria o último. Não sentia em boa parte de seus colegas o mesmo peso da cobrança sobre o que fazer após o término do ano. Parecia que boa parte deles se preocupava com o que haveriam de cursar em uma faculdade, ou algo do tipo. O que era mais comum era a gana pela luta do acúmulo. Por  mínimo que fosse, dispor de  algum dinheiro era dispor de algum poder. Na verdade, estas preocupações estavam presentes em todos, desde a infância, sem que eles percebessem isso com clareza, que já se preocupavam com o poder, com o status, desde muito cedo, e também de que já não tinham mais infância, também desde cedo.

Quando disse anteriormente que Vincent nunca tivera infância, há de se levar em consideração duas coisas nisto. Uma delas é que esta era uma característica comum de seus contemporâneos. Não só dos que viviam na realidade simples de Vincent, que não poderia ter muita coisa além do básico para a sobrevivência, mas também de muitos outros jovens que tinham muito além do que precisavam para perpetuarem a sua existência. O que faz destes diferentes tão similares é a responsabilidade em ter de ter. Adquirir, este era o nome do brinquedo. Uns precisavam adquirir para se manterem vivos, e até mesmo manterem outros. Sobrevivência era a palavra que necessitava deste brinquedo.  Outros tinham de adquirir para viverem sobre. Sobre eles e sobre os outros. Sobre viver, nada sabiam. Viver sobre, era a ordem que recebiam da vida comum dos homens de sua época que os moldavam.

Mas, Vincent fora diferente. Sentia de seu pai, das histórias que lhe contava, do algo notório que desejava do filho, algum impulso acima da sobrevivência e do viver sobre. Sentia que era preciso estar acima da média para passar longe da mediocridade. A questão era: a preocupação com a sobrevivência para com o amanhã é tão tola quanto o é a preocupação para com estes estudos, que não me darão muito mais do que a possibilidade de entrar no mercado de trabalho, como assim dizem os mestres?  Este tipo de pensamento, por si só, já fazia de Vincent algo incomum nos seus dias. Pensou um pouco mais e achou por bem conversar com alguém que vivesse o que ele vivia, de fato, antes de adentrar na duradoura conversa com Alberto. A semana escolar foi marcada por este anseio, e Vincent ouvira algumas coisas sobre, como veremos mais adiante.