Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

domingo, 26 de maio de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI: A insanidade no abraço da espera do porvir





    Tomada como cruz a minha camisa de força e erguido o meu estandarte da devassidão moral do questionamento contra cultural, eis que me surge outra fraqueza, deveras tão tola e ridícula quanto toda a loucura diagnosticada até aqui. Eis que surge uma tal espera, dita inalcançável e risível pelos donos da realidade, pelos certos e seguros que já apontam a fé no ser humano como o mais tolo dos caminhos tomado pelos parvos. Eis que ser parvo se torna necessário aos que se lamentam. Lamentar-se de maneira indubitavelmente profética. E não tomo o termo profético de maneira indecente, ligando o termo unicamente às perspectivas sobrenaturais, como se a profecia negasse o natural. Minha tolice não é deste tipo. A lamentação é digna de todo e qualquer Jeremias que chora os prantos do seu povo, sem perder a noção de que é parte deste povo e, por isso, ainda há de haver alguma espera que faça sentido.

    A fé na malignidade humana, no apocalipse zumbi dado como certo, não passa de puro realismo. Mas, muito me pasma ver uma apologética sendo formada em torno de um realismo que visa colocar a contra cultura proposta por Cristo como dispensável frente a realidade, levando-se em conta que os advogados desta causa sejam os mesmos que dizem advogar a causa insana do Cristo. Ora, é possível seguir os passos do Mestre e fixar firmemente os pés na realidade? Na realidade que nega a possibilidade de mudança? Esse negar é realmente a realidade? Não seriam os que deixam de negar esta realidade, de maneira plenamente subversiva, os verdadeiros lúcidos? Quanta relatividade. 

    A tal pós-modernidade, que pariu os subversivos à subversão e, incrivelmente ao conservadorismo, pode ser culpada pela gravidez de tal prostituição? Talvez não, se estes filhos forem ilegítimos. Talvez eles não tenham tido mãe alguma e viram nela a oportunidade de deixarem de serem órfãos. Não contentes, decidiram criar a "Irmandade da desesperança', onde quem tem alguma fé no ser humano, deve ser decapitado o mais rápido possível, pois sua cabeça já não faz falta alguma. 

    Tomados por insanos, abrimos os braços aos normais. Eles mesmos confirmarão que nossas expectativas sempre foram válidas. Que nossas noites brancas faziam parte daquele quente verão. Que decidindo ficar na cidade e não fugir para o campo, optamos por abraçar a loucura do amor que espera, sem lógica alguma, para mais adiante ser tomado pela lógica da confirmação dos que esperam a chamada mudança. Que o mundo seja tomado por insanos que esperam o fim que traz o começo. Sempre lembremos que, quando a caminhada se torna dura, só os duros continuam caminhando. Só os duros são capazes de permanecerem em pé, quando a realidade os convida a deitarem de olhos fechados mas com a boca aberta para convidar os demais a tomarem o mesmo caminho. Sejamos duros em sensibilidade.

sábado, 25 de maio de 2013

Deus nos livre de um Brasil evangélico




Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu
explico. Nos tempos em que outdoors eram
permitidos em São Paulo, alguém pagou uma
fortuna para espalhar vários deles, em avenidas,
com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus.
Povo de Deus, declare isso”. Rumino o recado desde
então. Represei qualquer reação, mas hoje, por
algum motivo, abriu-se uma fresta em uma
comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o
meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A
mensagem subliminar da grande placa, para quem
conhece a cultura do movimento, era de que os
evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o
estado, o país se converterem em massa e a terra
dos tupiniquins virar num país legitimamente
evangélico. Quando afirmo que o sonho é que
impere o movimento evangélico, não me refiro ao
cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e
do protestantismo conhecido como Movimento
Evangélico. E a esse movimento não interessa que
haja um veloz crescimento entre católicos ou que
ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o
Brasil tem que virar "crente", com a cara dos
evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).
Avanços numéricos de evangélicos em algumas
áreas já dão uma boa ideia de como seria
desastroso se acontecesse essa tal levedação radical
do Brasil.
Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de
grupos que anseiam por um puritanismo moreno.
Mas, como os novos puritanos tratariam Ney
Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não
gosto de pensar no destino de poesias sensuais
como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do
Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas
poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam
sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo
em Fé”? Uma história minimamente parecida com a
dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos
boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e
perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes.
Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um
ateu como Carlos Drummond de Andrade? Como
ficaria a Universidade em um Brasil dominado por
evangélicos? Os chanceleres denominacionais
cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se
desqualificasse o alucinado Charles Darwin.
Facilmente se restabeleceria o criacionismo como
disciplina obrigatória em faculdades de medicina,
biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria
dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma
tradução para o português. Mozart, Gauguin,
Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados
como desajustados para ganharem o rótulo de
loucos, pederastas, hereges. Um Brasil evangélico
não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o
Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam
barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam
proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no
domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea
aconteceria quando? Um Brasil evangélico
significaria que o fisiologismo político prevaleceu;
basta uma espiada no histórico de Suas Excelências
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nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber
que isso aconteceria. Um Brasil evangélico
significaria o triunfo do “american way of life”, já
que muito do que se entende por espiritualidade e
moralidade não passa de cópia malfeita da cultura
do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o
preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar
uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a
dos aiatolás iranianos. Cada vez que um evangélico
critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como
seria uma emissora liderada por eles? Adianto a
resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.
Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia
Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do
Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge
Amado a qualquer livro da série “Deixados para
Trás” ou do Max Lucado. Toda a teocracia se tornará
totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a
cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar
os costumes, moralista. O projeto cristão visa
preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os
costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a
fé de um centurião adorador de ídolos era singular;
e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma
espiritualidade digna de elogio como aquele soldado
que cuidou do escravo. Levar a boa notícia não
significa exportar uma cultura, criar um dialeto,
forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos
podem continuar a costurar, compor, escrever,
brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de
solidariedade; Deus não é rival da liberdade
humana, mas seu maior incentivador.
Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Ricardo Gondim (Pastor "evangélico", teólogo, filósofo e, ainda humano)

O Bom Travesti






E perguntaram a Jesus: “Quem é o meu próximo?“ E
ele lhes contou a seguinte parábola:
”Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando
por uma rua escura, um garçom que trabalhara até
tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de
garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se
pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes
estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o
homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com
armas na mão e disseram: “Vá passando a carteira“.
O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o
dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco
dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram
brutalmente, deixando-o desacordado no chão. Às
primeiras horas da manhã passava por aquela
mesma rua um padre no seu carro, a caminho da
igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele
homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi
até ele e o consolou com palavras religiosas: “Meu
irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de
lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais
que você.“ Ditas estas palavras ele o benzeu com o
sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de
absolvição de pecados: “Ego te absolvo...“ Levantouse
então, voltou para o carro e guiou para a missa,
feliz por ter consolado aquele homem com as
palavras da religião. Passados alguns minutos,
passava por aquela mesma rua um pastor
evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir
uma reunião de oração matutina. Vendo o homem
caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou
o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou,
baixinho: “Você já tem Cristo no seu coração? Isso
que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que
acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à
igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está
chamando ao arrependimento. Sem Cristo no
coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se
dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e
seus problemas serão resolvidos!“ O homem gemeu
mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido
como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então,
“aleluia!“ e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter
permitido salvar mais uma alma. Uma hora depois
passava por aquela rua um líder espírita que, vendo
o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: “Isso
que lhe aconteceu não aconteceu por acidente.
Nada acontece por acidente. A vida humana é
regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem
numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você
está pagando por algo que você fez numa
encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você
tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe
fizeram. Mas agora sua dívida está paga. Seja,
portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram
um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e
você poderá continuar a evoluir.“ Colocou suas
mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe,
levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da
justiça da lei do karma. O sol já ia alto quanto por ali
passou um travesti, cabelo louro, brincos nas
orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de
batom. Vendo o homem caído, parou sua
motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única
palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na
motocicleta e o levou para o pronto socorro de um
hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E
enquanto os médicos e enfermeiras estavam
distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o
dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem
ferido.”
Terminada a estória, Jesus se voltou para seus
ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou
com amor e lhes perguntou: “Quem foi o próximo
do homem ferido?“

Rubem Alves

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Comecei



Comecei a compreender
Que não há nada mais subversivo
Do que ser compreensivo

Que não há nada mais ativo
Do que ser auxílio
Em meio ao exílio

Que não há nada mais chamativo
Do que ser abusivo
Sempre sempre alternativo

domingo, 19 de maio de 2013

Cavernoso

 


Onde me escondi?
Que raio de caverna é esta que me cobre?
Eu quero a chuva
Eu quero os furacões

O deleite dos tolos
A jovialidade da imbecilidade
Se fazem nítidos

Saíram vencedores?

Me reboquem a alma
E com ela os muros do meu mundo
Do inverno dos homens
Da Antártida da contemporaneidade

Eis o choro da alma
Dos que ainda têm calma
Da calma do que cisma ter alma
Da alma que quer ver a fauna

Felicidade, fugitiva procurada
Recompensa dos fracos
Dos fracos da luta armada
Que resolveram largar as armas

Despejo, entulho, impureza
Sorriso disfarçado de tristeza
De vícios está cheia a mesa
Descrença a mãe da frieza

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Lamentações de um Jeremias do séc XXI: E foi aí que eu fiquei louco




   A liturgia popular geralmente não se diferencia muito nas reuniões protestantes brasileiras. De maneira geral, um testemunho particular de quem está fazendo a oratória precede ou sucede o apelo público, afim de que alguma mão se estenda e de que um rosto apareça em prantos afim de que esta aceitação individual gere uma aceitação coletiva ao que foi proposto pelo pregador. Vou fazer uso da mesma metodologia frente a proposta anterior da aceitação da contra-cultura como profissão de fé, mas de maneira contrária a dos  dos propagandistas do presente século, sem esperar que muitas mãos se levantem comovidas pela minha voz, ou em prantos por conta da minha história. 


    O dia em que decidi que seria melhor deixar que dissessem que eu havia me tornado um louco, se comparado com  a ideia de estar mal acompanhado, foi um "dia de mil anos". Um dia que se construiu  de maneira própria e duradoura, no chamado longo prazo e, como sempre angustiante, mas de resultados eficazes. 


    Se a história da minha loucura começa com o protestantismo, ou com  isto que  presentearam com tal  alcunha, ao qual me apresentaram como único e suficiente meio de manifestação de fé e vida comunitária perante a aceitação da mensagem de Cristo, devo ter por consolo que não fui o único a comprar a mercadoria. Aliás, tenho também por consolo que não fui exatamente um comprador. Eu diria que fui um "beneficiado" pela livre e espontânea imposição. 

   Mas, nada que é imposto dura muito. O imposto é falso. O imposto é um impostor mascarado de verdade. De uma verdade que nunca foi verdade, pois não pode ser verdade algo que visa agradar a mentira. Não se assuste. Não falo do Cristo, mas falo do cristianismo, ou cristandade como queiram. O estudo da História me fez diferenciá-los. Diferenciar o Cristo de todo o resto. Mas, como diferenciar o Cristo de todo o resto, se tudo o que sabemos sobre o Cristo, veio por meio de todo o resto? Simples: respirando.

   A escolha por viver a minha vida foi o componente básico para que eu pudesse adoecer. Em mim foi instaurada a loucura de tentar vislumbrar uma vida segundo os moldes do Cristo a mim apresentado, sem precisar do Cristo que me foi apresentado. É a loucura que gera tais paradoxos. A loucura da contra cultura, que não se sustém por discursos, que não sacia a sua sede por retóricas, que não se contenta em dormir ao lado das doutrinas e acordar molhado junto delas na cama. 

    Quando a oportunidade de viver me foi dada, por meio da dúvida e da apresentação da contra-cultura, não exitei mais em abraça-la. Tudo porque o amor ali estava, e não mais o via, senão nos olhos dos que reivindicavam a sua humanidade em meio aos zumbis. Dos que resolveram negar a si mesmo e tomarem a cruz da liberdade, tão pesada para os que estão acostumados a carregar nos seus ombros a hipocrisia do Cristo que ouviram e aceitaram, e não do Cristo contracultural, do nazareno da liberdade. 

    Que me tomem por masoquista! Que me tragam a camisa de força! Mas, o fardo da liberdade é um fardo a ser carregado sem as mãos do corpo, mas com a virtude da alma, que só os seres pensantes e, por isso loucos, podem suportar. Suportar é o termo para os que tem tal coias como pesada. Para os que me entendem e aceitam o meu testemunho, o suportar já não faz sentido algum, pois a razão do nosso sorriso não pode ser tida como algo suportável, mas sim como algo adquirido com alegria e paz.
 

O riso do riso




Se quem ri por último ri melhor
Quem riu primeiro é um tolo?
Dependendo do que se ri
O dito sábio foi mais bobo

A abelha que sai da colmeia da tristeza
Em busca da virtuosa felicidade
Tem por certo que o primeiro riso
É um riso de verdade

O restante que ficou
Resmungando do levante primeiro
Terminou rindo de inveja
Do sorriso verdadeiro

Logo pergunto, quem riu imensamente?
Quem é tolo realmente?
Quem é triste de verdade
E quem busca ser contente?

sábado, 11 de maio de 2013

Dono do Bar



Os problemas, os dilemas
Teorias, encho a cara
Em uma roda, de ideias
Pego o copo outra vez

Minha sede, não termina
Pra mim não basta só um gole
Quero me embriagar de soluções
Pra vida

Se é Graça ou se é lei, não sei
Eu só sei que eu não pago pra saber
Que o Seu amor está sempre disponível
Sempre acessível

Pra sentar nessa mesa, eu não paguei
Muito menos para consumir
Nem dá pra acreditar, que é graça
Do Dono do Bar

domingo, 5 de maio de 2013

Homens da modernidade



Se tudo na vida
Fosse mentira como dizem
Fadados estaríamos
De sórdida verdade

De um povo deveras falante
Pintaram um quadro sem colóquio
Desespero ofegante
De quem corre sempre sóbrio

Nós, homens da modernidade
Envoltos no manto da pátria
Cansados da normalidade
Tomamos por certo o incerto

O amanhã sempre igual
Contendo os seus divisores
Sem falas iguais, nem humanas
Na busca de nossos amores

Paixões, inflamadas
Nações, desalmadas
Canções terminadas
Almas desgraçadas