Aos
que são Maju mas não podem ser Lucas e Orelha, cabe uma breve reflexão sobre a
proposta do rock, sua essência e, principalmente sua origem, não para convencer
aos que não sejam Lucas e Orelha para que deixem de ser ou sejam criticados por
serem Scalete, ou até mesmo Versales (a crítica que segue adianta serve também
para refletirmos sobre a torcida contra e comemoração pela saída do grupo Dois
Africanos), mas para que façamos um balanço geral sobre os posicionamentos do
brasileiro quando se posiciona sobre música, especialmente nesta geração.
Para muitos não é novidade, mas o Rock and
Roll tem sua origem na África. Os negros tirados de suas terras por conta do
advento da escravidão e da colonização da América por parte do branco europeu
resistiram inclusive culturalmente à opressão, fazendo pedras rolarem ao som de
cada nota entoada por vozes como as dos Spirituals por exemplo. As lavouras
de algodão no sul dos Estados Unidos deram inícios aos ritmos e gêneros que nos
anos 1900, pós Guerra Civil norte americana e uma economia que andava em
frangalhos, além de todo um recente processo de abolição da escravatura, foram
o palco histórico dos pais e avôs do que hoje conhecemos como Rock. Músicas
como “St Louis Blues” e “Yellow Dog Blues”, compostas por William Chistopher
Handy em meadros de 1903, tocavam nas questões relacionadas às condições dos
negros nos EUA e a escravidão. A época subsequente, décadas de 1920 e 1930,
renderam uma ascensão desse tipo de música, que viria a se desenvolver com
homens negros desempregados que carregavam seus violões pelo sul dos Estados
Unidos, região mais pobre do país naquele momento. O Blues sulista do Delta do
Missisippi e o toque de positividade e orgulho do negro foram desenhando um
estilo musical que seria proeminente de tudo o que hoje vejos como música e
atitude Rock and Roll. Outro segmento de grande influencia no gênero foi o
gospel, onde os diálogos de chamado e resposta que tinham origem nos cantos
africanos deram origem a forma dançante e participativa do rock, distinguindo-o
da música erudita. Um pouco mais adiante, temos o surgimento do Jump band jazz, marcado pelo contagiante
uso do saxofone. A música negra já tomava conta dos Estados Unidos da América e
contagiava, inclusive, os filhos do colonizador. Afim de participarem do
movimento cultural propagado pelos negros, os brancos norte americanos tentaram
desenvolver as suas vertentes musicais próximas ao blues em evidencia, surgindo
assim o folk e o country. Coincidentemente, temos aqui o início da formação do
que foi chamado pelos sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer de Indústria cultural.
Após a II Guerra Mundial o rock começa a
adquirir características de entretenimento. A indústria cultural produzida na
época, já posta sobre os interesses do capital desde a época de 1030, como
apontam Adorno e Horkheimer, não demorou muito para entender que era preciso
levar ao jovem branco norte americano uma música com a qualidade e o ritmo
contagiante que só a música produzida pelos negros nos Estados Unidos poderia
oferecer. Nesse contexto surge o rockabilly, que culminou para dar traços
finais ao que viria ser conhecido como Rock and Roll, inserindo os brancos a um
gênero musical e a uma cultural contestadora do erudito europeu e do
colonizador e, ao mesmo tempo, afastando os negros daquilo que lhes era próprio.
Poderiamos dizer aqui que o mercado passou enfim a aceitar a música negra, mas
não sei se é exatamente esta a questão. Poderíamos dizer que o mercado
contribuiu para uma miscigenação musical? Talvez, mas ainda acho esse tipo de
perspectiva ingênua. Mediante a proposta sociológica oferecida por Adrono e
Holkheimer com o conceito de indústria cultura, eu diria que o mercado norte
americano se apropriou da cultura musical negra, moldou o branco a não apenas
aceitar e se inserir nessa cultura como se apropriar dela e negá-la, inclusive
em sua origem (e é justamente aqui que quero chegar sobre esta breve explanação
referente a final do Superstar). Sim, o rock embranqueceu depois de Elvis. Ele
não inseriu o branco, ele excluiu o negro. Daí você pode me perguntar: “E nomes
como Hendrix?” – pois bem, talvez nomes como Seu Jorge, no Brasil, ofereçam a
resposta à sua pergunta.
Recentemente, o músico brasileiro deu a
seguinte declaração, quando questionado sobre o Rock e a participação do
segmento, inclusive a sua própria:
“Pô, eu sou brasileiro, nasci no Rio.
Sou do subúbio. O rock não chegou. O rock não é um gênero pro negro, apesar de
Jimi Hendrix.”
A perspectiva de Seu Jorge sobre a
influencia do rock sobre si parece ser muito válida e de grande utilidade para
a promoção de uma reflexão sobre o fato de que talvez o Rock nunca tenha
chegado verdadeiramente no Brasil. Um
fator importante nesse contexto e que merece grande atenção é que nos anos
1960, auge do desenvolvimento da Música Popular Brasileira, havia um crescente
movimento contra o uso da guitarra elétrica, vista como um instrumento que iria
na contramão da nossa cultura e da formação da nossa identidade, reconhecida
por muitos como “o instrumento do imperialismo”. Não cabe a mim fazer o
julgamento sobre esta percepção frente o uso deste instrumento, sendo eu,
inclusive, um guitarrista amador e antes de tudo um amante do rock. Mas, como
alguém que cresceu na periferia paulistana, eu com certeza posso afirmar que o gênero
musical não chegou da forma devida ao subúrbio e às periferias do Brasil, e
este fator fica expresso por diversas formas, e vou evidenciar isto com as
minhas experiências no ensino público periférico, tanto como aluno quanto como
professor.
Nos anos 1990, época em que eu atuava no
seio educacional como discente, o rock tinha grande influencia sobre alguns
alunos das salas de aula onde estudei. Quem eram esses alunos? Geralmente os
que tinham condições melhores. Minha escola era localizada em um bairro de
classe média alta, que fazia ligação com bairros periféricos mais distantes.
Sendo assim cada sala evidenciava uma verdadeira luta de classes, tal qual a
final do Supestar. Os jovens que se identificavam mais com o Rock,
principalmente o pop, o nacional e o heavy metal, geralmente eram os que tinham
os melhores cadernos, as melhores mochilas, que iam e voltavam ou de carro ou
de van escolar e que não faziam uso da merenda oferecida na escola, gastando
bons trocados na cantina. Os que não se identificavam tanto com o estilo, ou os
que se identificavam com outras vertentes do estilo, como o punk ou mesmo as experiências
de bandas como Charlie Brown Jr e Rage Against The Machine, eram os que se
encontravam nas minhas condições, que eram opostas às dos jovens rockeiros
evidenciados anteriormente. Geralmente, ou nos identificávamos com a música
gospel, já que grande parte dos jovens periféricos nos anos 1990 eram filhos de
pais evangélicos (cabe aqui uma reflexão à forma como as igrejas neopentecostais
contribuíram para o acolhimento do Rock nas camadas mais pobres, especialmente
na cidade de São Paulo nos anos 1990), ou se identificavam com outras vertentes
como o samba, o pagode, o rap, o axé, o forró e o crescente funk. E o que
ocorria no seio desta composição de comunidade escolar heterogênea? Mais uma
vez, lembremos da luta de classes. Os jovens que não eram rockeiros eram vistos
de maneira pejorativa pelos rockeiros e, claro, havia á resposta à esta reação,
já que toda a ação gera uma reação. As contradições, a auto afirmação e as
disputas ideológicas do território já estavam postas, na nossa infância,
juventude e adolescência, mas ainda não nos dávamos conta disso. Talvez alguns
da minha geração não tenham se dado conta disso até os dias atuais e, só a
partir desse dado momento,ao lerem um texto como esse, passem a refletir sobre
o contexto histórico cultural brasileiro nos anos 1990, especialmente entre
estudantes da rede pública municipal. A questão pode ser polemica, mas acho
honesta e bem contextualizada. E os anos 2000? E a segunda década dos anos
2000? Alteraram esse quadro? Bom, a partir daqui creio ser válida a
contribuição de um breve relato de minha experiência com a “minoria do rock” e
a “imensa maioria do funk” como professor da rede pública municipal neste tempo
histórico e no atual momento. Vale a pena esperar e conferir a continuidade
deste texto.
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