Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Mas afinal o que é Rock and Roll? Os óculos de Lucas ou o olhar de Orelha - Parte 2






    Aos que são Maju mas não podem ser Lucas e Orelha, cabe uma breve reflexão sobre a proposta do rock, sua essência e, principalmente sua origem, não para convencer aos que não sejam Lucas e Orelha para que deixem de ser ou sejam criticados por serem Scalete, ou até mesmo Versales (a crítica que segue adianta serve também para refletirmos sobre a torcida contra e comemoração pela saída do grupo Dois Africanos), mas para que façamos um balanço geral sobre os posicionamentos do brasileiro quando se posiciona sobre música, especialmente nesta geração.


    Para muitos não é novidade, mas o Rock and Roll tem sua origem na África. Os negros tirados de suas terras por conta do advento da escravidão e da colonização da América por parte do branco europeu resistiram inclusive culturalmente à opressão, fazendo pedras rolarem ao som de cada nota entoada por vozes como as dos Spirituals por exemplo. As lavouras de algodão no sul dos Estados Unidos deram inícios aos ritmos e gêneros que nos anos 1900, pós Guerra Civil norte americana e uma economia que andava em frangalhos, além de todo um recente processo de abolição da escravatura, foram o palco histórico dos pais e avôs do que hoje conhecemos como Rock. Músicas como “St Louis Blues” e “Yellow Dog Blues”, compostas por William Chistopher Handy em meadros de 1903, tocavam nas questões relacionadas às condições dos negros nos EUA e a escravidão. A época subsequente, décadas de 1920 e 1930, renderam uma ascensão desse tipo de música, que viria a se desenvolver com homens negros desempregados que carregavam seus violões pelo sul dos Estados Unidos, região mais pobre do país naquele momento. O Blues sulista do Delta do Missisippi e o toque de positividade e orgulho do negro foram desenhando um estilo musical que seria proeminente de tudo o que hoje vejos como música e atitude Rock and Roll. Outro segmento de grande influencia no gênero foi o gospel, onde os diálogos de chamado e resposta que tinham origem nos cantos africanos deram origem a forma dançante e participativa do rock, distinguindo-o da música erudita. Um pouco mais adiante, temos o surgimento do Jump band jazz, marcado pelo contagiante uso do saxofone. A música negra já tomava conta dos Estados Unidos da América e contagiava, inclusive, os filhos do colonizador. Afim de participarem do movimento cultural propagado pelos negros, os brancos norte americanos tentaram desenvolver as suas vertentes musicais próximas ao blues em evidencia, surgindo assim o folk e o country. Coincidentemente, temos aqui o início da formação do que foi chamado pelos sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer de Indústria cultural.


    Após a II Guerra Mundial o rock começa a adquirir características de entretenimento. A indústria cultural produzida na época, já posta sobre os interesses do capital desde a época de 1030, como apontam Adorno e Horkheimer, não demorou muito para entender que era preciso levar ao jovem branco norte americano uma música com a qualidade e o ritmo contagiante que só a música produzida pelos negros nos Estados Unidos poderia oferecer. Nesse contexto surge o rockabilly, que culminou para dar traços finais ao que viria ser conhecido como Rock and Roll, inserindo os brancos a um gênero musical e a uma cultural contestadora do erudito europeu e do colonizador e, ao mesmo tempo, afastando os negros daquilo que lhes era próprio. Poderiamos dizer aqui que o mercado passou enfim a aceitar a música negra, mas não sei se é exatamente esta a questão. Poderíamos dizer que o mercado contribuiu para uma miscigenação musical? Talvez, mas ainda acho esse tipo de perspectiva ingênua. Mediante a proposta sociológica oferecida por Adrono e Holkheimer com o conceito de indústria cultura, eu diria que o mercado norte americano se apropriou da cultura musical negra, moldou o branco a não apenas aceitar e se inserir nessa cultura como se apropriar dela e negá-la, inclusive em sua origem (e é justamente aqui que quero chegar sobre esta breve explanação referente a final do Superstar). Sim, o rock embranqueceu depois de Elvis. Ele não inseriu o branco, ele excluiu o negro. Daí você pode me perguntar: “E nomes como Hendrix?” – pois bem, talvez nomes como Seu Jorge, no Brasil, ofereçam a resposta à sua pergunta.


    Recentemente, o músico brasileiro deu a seguinte declaração, quando questionado sobre o Rock e a participação do segmento, inclusive a sua própria:

  
“Pô, eu sou brasileiro, nasci no Rio. Sou do subúbio. O rock não chegou. O rock não é um gênero pro negro, apesar de Jimi Hendrix.”



    A perspectiva de Seu Jorge sobre a influencia do rock sobre si parece ser muito válida e de grande utilidade para a promoção de uma reflexão sobre o fato de que talvez o Rock nunca tenha chegado verdadeiramente no Brasil.  Um fator importante nesse contexto e que merece grande atenção é que nos anos 1960, auge do desenvolvimento da Música Popular Brasileira, havia um crescente movimento contra o uso da guitarra elétrica, vista como um instrumento que iria na contramão da nossa cultura e da formação da nossa identidade, reconhecida por muitos como “o instrumento do imperialismo”. Não cabe a mim fazer o julgamento sobre esta percepção frente o uso deste instrumento, sendo eu, inclusive, um guitarrista amador e antes de tudo um amante do rock. Mas, como alguém que cresceu na periferia paulistana, eu com certeza posso afirmar que o gênero musical não chegou da forma devida ao subúrbio e às periferias do Brasil, e este fator fica expresso por diversas formas, e vou evidenciar isto com as minhas experiências no ensino público periférico, tanto como aluno quanto como professor.



   Nos anos 1990, época em que eu atuava no seio educacional como discente, o rock tinha grande influencia sobre alguns alunos das salas de aula onde estudei. Quem eram esses alunos? Geralmente os que tinham condições melhores. Minha escola era localizada em um bairro de classe média alta, que fazia ligação com bairros periféricos mais distantes. Sendo assim cada sala evidenciava uma verdadeira luta de classes, tal qual a final do Supestar. Os jovens que se identificavam mais com o Rock, principalmente o pop, o nacional e o heavy metal, geralmente eram os que tinham os melhores cadernos, as melhores mochilas, que iam e voltavam ou de carro ou de van escolar e que não faziam uso da merenda oferecida na escola, gastando bons trocados na cantina. Os que não se identificavam tanto com o estilo, ou os que se identificavam com outras vertentes do estilo, como o punk ou mesmo as experiências de bandas como Charlie Brown Jr e Rage Against The Machine, eram os que se encontravam nas minhas condições, que eram opostas às dos jovens rockeiros evidenciados anteriormente. Geralmente, ou nos identificávamos com a música gospel, já que grande parte dos jovens periféricos nos anos 1990 eram filhos de pais evangélicos (cabe aqui uma reflexão à forma como as igrejas neopentecostais contribuíram para o acolhimento do Rock nas camadas mais pobres, especialmente na cidade de São Paulo nos anos 1990), ou se identificavam com outras vertentes como o samba, o pagode, o rap, o axé, o forró e o crescente funk. E o que ocorria no seio desta composição de comunidade escolar heterogênea? Mais uma vez, lembremos da luta de classes. Os jovens que não eram rockeiros eram vistos de maneira pejorativa pelos rockeiros e, claro, havia á resposta à esta reação, já que toda a ação gera uma reação. As contradições, a auto afirmação e as disputas ideológicas do território já estavam postas, na nossa infância, juventude e adolescência, mas ainda não nos dávamos conta disso. Talvez alguns da minha geração não tenham se dado conta disso até os dias atuais e, só a partir desse dado momento,ao lerem um texto como esse, passem a refletir sobre o contexto histórico cultural brasileiro nos anos 1990, especialmente entre estudantes da rede pública municipal. A questão pode ser polemica, mas acho honesta e bem contextualizada. E os anos 2000? E a segunda década dos anos 2000? Alteraram esse quadro? Bom, a partir daqui creio ser válida a contribuição de um breve relato de minha experiência com a “minoria do rock” e a “imensa maioria do funk” como professor da rede pública municipal neste tempo histórico e no atual momento. Vale a pena esperar e conferir a continuidade deste texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário