Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Farisaísmo: a religião dos milênios - Parte V





      Antes de desenvolver a crítica reflexiva sobre o farisaísmo e como o que há de negativo sobre esta vertente influenciou toda a nossa maneira de ver e interagir com o mundo (se é que o farisaísmo já não estava entre nós antes mesmo do surgimento do partido farisaico), minha proposta inicial será a de contemplar os aspectos positivos, mesmo nos mais combativos por Cristo ao longo das narrativas bíblicas, para além dos fariseus elucidados como homens que tiveram boas ações, como Nicodemos e José de Arimateia, como demonstrado anteriormente.


      Se existe uma característica a ser tomada como exemplar entre os fariseus, essa é a maneira clara e nada omissa como se posicionavam em uma época de conflitos latentes. Desde sua origem, com o movimento dos macabeus contra a helenização da cultura judaica, os fariseus parecem não terem errado no sentido tão criticado pelo mesmo cristo que os criticou por outras razões, no que tange à mornidão.[1] Se a dualidade do quente e frio, apontados por Cristo no relato das visões do apóstolo São João no livro do Apocalipse são dignas de uma boa discussão e de uma crítica à exaltação em se escolher um lado entre os extremos, isso merece uma atenção e uma reflexão sobre, mas o fato é que há uma critica veemente tanto verbal e de maneira direta, como também nas atitudes e nos relatos do cânon bíblico de condenação à falta de posicionamento em situações de conflito cruciais para a época. Nesse sentido, a leitura que faço do movimento farisaico e a qualidade que lhe atribuo, pode ser transferida também para diversos nomes e movimentos ao longo da história que podem ser acusados por diversos erros, mas nunca pela falta de posicionamento. Os fariseus não ficavam no “meio termo” quanto à dominação dos judeus frente outros povos e frente um embate vindouro para com Roma. Muitas narrativas que podem ser usadas aqui, nas abordagens inquisidoras que os mesmo fizeram à Cristo, afim de expor “o lado em que ele estava” , podem ser vistas também pelo viés  de um movimento político legítimo de um povo, que quer saber muito bem o que pensa um homem influente sobre eles, antes de desejar ser influenciado por tal individuo. Claro que aqui proponho apenas uma reflexão alternativa frente as já usuais críticas à estas abordagens, tanto à Cristo quanto à Nicodemos, por não estarem simplesmente dispostos a ouvi-los, mas a deturpar a seu favor o que ouviram.


      A eloquência, as qualidades no que diz respeito à força argumentativa e à destreza para se manipular movimentos e pessoas em processo de movimentação, são “qualidades” dignas de todo e qualquer individuo, em ocasiões de grande ou menor escala, que contemplam em si o espírito do farisaísmo, tão presente em nossa história humana. Se pensarmos em grandes lideranças, tanto políticas quanto artísticas e religiosas, ou mesmo em lideranças em estruturas menores, como um gerente em nosso emprego, por exemplo, veremos que apesar da cegueira que o poder traz a estas figuras e a forma autoritária e legalista como passam a agir tomam conta de todos os seus passos, estas pessoas também contém grandes qualidades, que muitas vezes contribuíram para que chegassem ao topo de alguma pirâmide ou à um lugar mais alto dela. Em grande medida, compreendo que um posicionamento contrário ao espírito farisaico que há em nós, abarque uma leitura sobre o outro que não o enquadre apenas nas posições postas de “vilão/herói”, “bom/mau”, “grande/pequeno”, “belo/feio”, e assim por diante. Se por um lado o discernir sobre o grau de quentura ou frieza sobre todo e qualquer posicionamento[2] se faz necessário para lidarmos melhor com ele e suas convicções, por outro o reconhecimento de quaisquer características de frieza em alguém que está pegando fogo, ou de quentura em alguém que parece congelado, fazem-se tão necessárias quanto, para nos diferenciarmos da visão maniqueísta e legalista que podem levar um movimento e uma ideologia em muitos aspectos bem intencionada, legítima e organizada como a dos fariseus, ao ostracismo ou à um única lembrança sobre si: a de ser uma proposta intransigente, que perdeu espaço e passou apenas a atacar e perseguir propostas mais sólidas, receptivas, inclusivas, didáticas e bem contextualizadas. Não foi exatamente o que ocorreu para com o grande partido farisaico, frente à ascensão da mensagem de Cristo e dos apóstolos entre os judeus?


    Ainda no sentido da contra-argumentação primária sobre as possíveis qualidade que levam ao erro , presente nos fariseus, podemos retornas às origens da palavra hipocrisia no hebraico, que estavam presentes nas falas e posturas farisaicas, ao investigarem quem e o que se posicionava de forma A ou B, tal qual faziam com cristo e alguns dos seus. Como evidenciado aqui, a hipocrisia para um hebreu girava em torno de ações que revelassem uma postura antagônica à crença tida como correta. Sobre o conceito de ímpio como o conceito de significância ao termo hipocrisia, estavam inseridas as concepções de que era preciso ser da pátria judaica, condenando assim o estrangeiro como hipócrita, era preciso ser converso, condenando assim o que não professa a mesma fé como hipócrita, era preciso ser praticante desta fé e dos mandamentos, e não um mero gentio com regalias pagãs , condenando tal gentio como hipócrita, o que em nossos dias culminou em “é preciso ser ortodoxo para não ser herético”. Se por um lado a postura combativa à omissão presente em sua época, que favorecia os que dominavam a Palestina (vide o exemplo já ressaltado aqui, da forma como agiam e eram criticados pelos judeus os publicanos), é digna de admiração, por outro essa mesma postura caiu no erro de desconsiderar o diálogo e o pedagógico sobre o diferente, e mais, sobre os que estão em outros contextos sócio-históricos de “quente e frio”, como por exemplo, muitos gentios que não eram romanos ou gregos e que estavam diante daquele contexto tempestuoso. Nesse sentido, uma postura mais abrangente e dialógica com o todo, ao menos daquela vez e naquela contexto, como foi a postura de Cristo e de sua mensagem, teve maior êxito sobre a intransigência odiosa de quem quer apenas explicar, sem levar em consideração que um dia já esteve confuso e, alguma medida. Nesse sentido, toda a postura contra cultural às dicotomias farisaicas que marcam nossa história, sempre virá não para explicar, mas para confundir. O paradoxo ao movimento certeiro de um farisaico parece dar-se no ser paradoxal frente o mesmo.



[1] Apocalipse 3.16
[2] “Todo ato é um ato político”, segundo Paulo Freire.

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