Antes
de desenvolver a crítica reflexiva sobre o farisaísmo e como o que há de
negativo sobre esta vertente influenciou toda a nossa maneira de ver e
interagir com o mundo (se é que o farisaísmo já não estava entre nós antes
mesmo do surgimento do partido farisaico), minha proposta inicial será a de
contemplar os aspectos positivos, mesmo nos mais combativos por Cristo ao longo
das narrativas bíblicas, para além dos fariseus elucidados como homens que
tiveram boas ações, como Nicodemos e José de Arimateia, como demonstrado anteriormente.
Se existe uma característica a ser tomada
como exemplar entre os fariseus, essa é a maneira clara e nada omissa como se
posicionavam em uma época de conflitos latentes. Desde sua origem, com o
movimento dos macabeus contra a helenização da cultura judaica, os fariseus
parecem não terem errado no sentido tão criticado pelo mesmo cristo que os
criticou por outras razões, no que tange à mornidão.[1] Se a dualidade do quente e
frio, apontados por Cristo no relato das visões do apóstolo São João no livro
do Apocalipse são dignas de uma boa discussão e de uma crítica à exaltação em
se escolher um lado entre os extremos, isso merece uma atenção e uma reflexão
sobre, mas o fato é que há uma critica veemente tanto verbal e de maneira
direta, como também nas atitudes e nos relatos do cânon bíblico de condenação à
falta de posicionamento em situações de conflito cruciais para a época. Nesse
sentido, a leitura que faço do movimento farisaico e a qualidade que lhe
atribuo, pode ser transferida também para diversos nomes e movimentos ao longo
da história que podem ser acusados por diversos erros, mas nunca pela falta de
posicionamento. Os fariseus não ficavam no “meio termo” quanto à dominação dos
judeus frente outros povos e frente um embate vindouro para com Roma. Muitas
narrativas que podem ser usadas aqui, nas abordagens inquisidoras que os mesmo
fizeram à Cristo, afim de expor “o lado em que ele estava” , podem ser vistas
também pelo viés de um movimento
político legítimo de um povo, que quer saber muito bem o que pensa um homem
influente sobre eles, antes de desejar ser influenciado por tal individuo.
Claro que aqui proponho apenas uma reflexão alternativa frente as já usuais
críticas à estas abordagens, tanto à Cristo quanto à Nicodemos, por não estarem
simplesmente dispostos a ouvi-los, mas a deturpar a seu favor o que ouviram.
A eloquência, as qualidades no que diz respeito
à força argumentativa e à destreza para se manipular movimentos e pessoas em
processo de movimentação, são “qualidades” dignas de todo e qualquer individuo,
em ocasiões de grande ou menor escala, que contemplam em si o espírito do
farisaísmo, tão presente em nossa história humana. Se pensarmos em grandes
lideranças, tanto políticas quanto artísticas e religiosas, ou mesmo em
lideranças em estruturas menores, como um gerente em nosso emprego, por
exemplo, veremos que apesar da cegueira que o poder traz a estas figuras e a
forma autoritária e legalista como passam a agir tomam conta de todos os seus
passos, estas pessoas também contém grandes qualidades, que muitas vezes
contribuíram para que chegassem ao topo de alguma pirâmide ou à um lugar mais
alto dela. Em grande medida, compreendo que um posicionamento contrário ao
espírito farisaico que há em nós, abarque uma leitura sobre o outro que não o
enquadre apenas nas posições postas de “vilão/herói”, “bom/mau”,
“grande/pequeno”, “belo/feio”, e assim por diante. Se por um lado o discernir
sobre o grau de quentura ou frieza sobre todo e qualquer posicionamento[2] se faz necessário para
lidarmos melhor com ele e suas convicções, por outro o reconhecimento de
quaisquer características de frieza em alguém que está pegando fogo, ou de
quentura em alguém que parece congelado, fazem-se tão necessárias quanto, para
nos diferenciarmos da visão maniqueísta e legalista que podem levar um
movimento e uma ideologia em muitos aspectos bem intencionada, legítima e
organizada como a dos fariseus, ao ostracismo ou à um única lembrança sobre si:
a de ser uma proposta intransigente, que perdeu espaço e passou apenas a atacar
e perseguir propostas mais sólidas, receptivas, inclusivas, didáticas e bem
contextualizadas. Não foi exatamente o que ocorreu para com o grande partido
farisaico, frente à ascensão da mensagem de Cristo e dos apóstolos entre os
judeus?
Ainda no sentido da contra-argumentação
primária sobre as possíveis qualidade que levam ao erro , presente nos fariseus,
podemos retornas às origens da palavra hipocrisia no hebraico, que estavam presentes
nas falas e posturas farisaicas, ao investigarem quem e o que se posicionava de
forma A ou B, tal qual faziam com cristo e alguns dos seus. Como evidenciado aqui,
a hipocrisia para um hebreu girava em torno de ações que revelassem uma postura
antagônica à crença tida como correta. Sobre o conceito de ímpio como o conceito
de significância ao termo hipocrisia, estavam inseridas as concepções de que era
preciso ser da pátria judaica, condenando assim o estrangeiro como hipócrita, era
preciso ser converso, condenando assim o que não professa a mesma fé como hipócrita,
era preciso ser praticante desta fé e dos mandamentos, e não um mero gentio com
regalias pagãs , condenando tal gentio como hipócrita, o que em nossos dias culminou
em “é
preciso ser ortodoxo para não ser herético”. Se por um lado a postura combativa
à omissão presente em sua época, que favorecia os que dominavam a Palestina (vide
o exemplo já ressaltado aqui, da forma como agiam e eram criticados pelos judeus
os publicanos), é digna de admiração, por outro essa mesma postura caiu no erro
de desconsiderar o diálogo e o pedagógico sobre o diferente, e mais, sobre os que
estão em outros contextos sócio-históricos de “quente e frio”, como por
exemplo, muitos gentios que não eram romanos ou gregos e que estavam diante daquele
contexto tempestuoso. Nesse sentido, uma postura mais abrangente e dialógica com
o todo, ao menos daquela vez e naquela contexto, como foi a postura de Cristo e
de sua mensagem, teve maior êxito sobre a intransigência odiosa de quem quer apenas
explicar, sem levar em consideração que um dia já esteve confuso e, alguma medida.
Nesse sentido, toda a postura contra cultural às dicotomias farisaicas que marcam
nossa história, sempre virá não para explicar, mas para confundir. O paradoxo ao
movimento certeiro de um farisaico parece dar-se no ser paradoxal frente o mesmo.
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