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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

quarta-feira, 8 de julho de 2015

FARISAÍSMO: A RELIGIÃO DOS MILÊNIOS - PARTE IV

     



     Agora que já temos algum domínio sobre a origem do termo “farisaísmo”, seu significado, a forma como as narrativas bíblicas apresentam esse termo (a principio de modo bem geral), e a contextualização sócio-histórica relacionada à forma como o termo é apresentado pelos autores nas narrativas canônicas, começaremos a trabalhar sobre uma interpretação, própria dos dias atuais, sobre o conceito de farisaísmo. 

     Nos dias atuais, é muito frequente, principalmente em debates que girem em torno da temática religiosa, vermos a utilização da expressão “fariseu” com a finalidade de apontar para uma possível ação, fala ou leitura de mundo que se apresente de uma forma contraditória e legalista para com a realidade que o cerca aquele que a defende, sendo esta atitude resumida como uma postura equivalente ao conceito de “hipócrita”. Isso sem dúvida alguma vem de encontro às origens do termo “fariseu” e a forma como as narrativas bíblicas apresentam o mesmo, deixando evidente a relevância em termos acesso às mesmas, para que possamos ter uma total compreensão frente o uso de tal palavra. Mas, seria mesmo o farisaísmo um sinônimo de hipocrisia? 

    A origem da palavra hipocrisia, que em nossos dias permeia a significância de fingimento em certas virtudes e credos que o individuo na verdade defende, mas não possui ou pratica, é derivada do latim e do grego. Como sabemos, o grego foi a língua predominante nos tempos de Cristo, onde estão os principais relatos sobre o farisaísmo. Nessa época, o significado de hipócrita era variado, conforme o idioma a ser usado para sua expressão. No grego, tinha o sentido de “ator”, por meio do vocábulo upokrinomai, que significa “desempenhar uma parte sobre um cenário” ou “assumir um caráter falso”. No hebraico, a palavra tinha um sentido um pouco diferente, sendo atribuída ao que era visto como uma pessoa sem lei ou sem Deus (ímpio). Logo, podemos concluir que os fariseus, que foram apontados por Cristo como hipócritas e que se tornaram sinônimo deste verbete em nossos dias, tinham um entendimento diferente sobre o significado de hipocrisia, herdado do significado da cultura judaica, o que irá nos auxiliar na compreensão de muitas coisas sobre eles e até mesmo sobre nós. Aqui, cabe uma reflexão sobre o que a nossa sociedade entende por hipocrisia hoje, o que outras sociedades presentes em nosso tempo histórico entendem por hipocrisia, o que eu como um indivíduo inserido em um determinado contexto social entendo e o que os outros indivíduos dentro deste mesmo contexto entendem sobre tal conceito. Com certeza essa reflexão evidenciará que não há uma homogeneidade quanto ao entendimento de “hipocrisia”, tal qual o mesmo não tinha aspecto de unanimidade nos dias de Cristo. Observamos aqui a influencia cultural sobre a construção linguística e a influencia da construção linguística, em alguns momentos, sobre o cultural. Mas, não vou me aprofundar neste quesito, deixando tal abordagem para os peritos em filologia. 

    O farisaísmo em si não apresenta aspectos de todo passíveis à críticas negativas. Alguns fariseus são apontados na Bíblia com ações virtuosas. Aqui já explanamos brevemente sobre a postura de Nicodemos, um fariseu que se propôs a ouvir as palavras do Cristo que era acusado pelos fariseus e sua crítica aos companheiros de movimento farisaico, que se propunham ou ao diálogo com Cristo de maneira tendenciosa, pré-dispostos a não compreender suas palavras, ou que o acusavam sem nunca terem se aberto a qualquer diálogo com ele. José de Arimateia é outro personagem bíblico identificado como fariseu. Foi reconhecido por especialistas no tema como um homem que seguia Jesus secretamente. Teve importante participação e destaque nas narrativas referentes ao sepultamento de Cristo. Tentou contribuir para que Jesus não fosse crucificado, fazendo uso de sua posição de influencia perante os doutores da lei judaica e Pilatos para tentar persuadi-los a inocentarem Jesus, o que acabou não sendo possível. Ao se deparar com o fato de que Cristo já havia sido morto, ofereceu-se para retirar e sepultar seu corpo, em um período onde os que eram crucificados pelo Império Romano  não tinham direito ao sepultamento e eram jogados para apodrecerem e serem devorados por animais. José pagou um alto preço por essa atitude, sendo perseguido e preso por muitos anos. Nesse episódio do sepultamento, diz a tradição que Nicodemos o acompanhou , ou seja, temos aqui dois fariseus que parecem não evidenciar, ou ao menos estarem conscientes, de uma condição de hipocrisia, segundo a concepção de hipocrisia grega. Talvez Nicodemos tenha realmente mudado de atitude, evidenciado uma prática que demonstrava plena compreensão sobre o “nascer de novo”, proposto por Cristo ao próprio, e convencido José de Arimateia, ou o contrário, em uma boa conversa como as que ele gostava de ter. Vale lembrar que segundo a tradição, Nicodemos também foi martirizado e José passou a ser preso e perseguido após o episódio da retirada do corpo de Jesus. Seria este o destino de todo o fariseu que se opõe ao que chamamos, a partir de então, “espírito do farisaísmo”? O termo será explanado posteriormente.

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