Ser Pensante

Ser Pensante
"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A criação do criado



    Geralmente, eu não escrevo por não saber por onde começar. Daí, eu tomo a iniciativa de começar, ainda que este começo não tenha um início propriamente. É algo absurdamente estranho, ao mesmo tempo natural, pouco proposital, porém provido de intenção. O propósito de criar, ainda que não se saiba exatamente o que.

    Não sei se chega a ser uma inspiração divina, pois Deus não parece começar algo do nada. Já havia uma terra, sem forma e vazia. Algo já estava posto. Apenas bastava que tivesse algum formato, um rosto, um propósito, um sentido. Mas, apesar de ter sido dado ao que já estava ali uma cara de prontidão, o sentido de tudo parece ter sido desprezado. Ao menos, olhando para o deus criador que o meu tempo conceituou, é isto que ouso concluir.

    Sendo assim, me parece tarefa mais digna de honra a criação artística do que a criação do mundo. Seria uma certeza, se eu não pensasse um pouco mais e concebe-se que tudo o que fiz não vem do nada. Está no mundo. Nesta criação artística, abstrata.

Aula de sala


A sala está cheia
Todas as cadeiras estão ocupadas
O pouco espaço que resta, também
As letras preenchem todo o quadro
Ouve-se o som das muitas vozes
Mas, se diz pouco e pouco se ouve
Quando se ouve, o significado dos sons incomoda

A alma está vazia
A mente desocupada
As letras, não fazem sentido
Não há espaço para elas fora do quadro

O som das batidas do coração é imperceptível
Não vive, apenas resiste
Quando raramente alguém o nota
Nota e anota tudo que vê
Aí a alma novamente
Começa a se encher
E todos os espaços são preenchidos
Sem super lotação

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Intensamente



Eu, que já tive tempo pra discutir
Percebi que tinha pouco tempo pra viver
Então deixei de discutir
Comecei a viver
E percebi que tenho pouco tempo pra discutir
Percebi que tenho pouco tempo pra viver
Percebi que tenho pouco tempo
Pra perceber que viver não depende de tempo
Viver depende unicamente de ser intenso
E isto independe do tempo

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Militar



Militar
Palavra de duplo sentido
Um reflete o ódio, o outro o sóbrio
Mas ambos o indivíduo

Opções e escolhas
Opções são poucas
Geralmente, quem escolhe militar não quer o militar
Exatamente porque o militar reprime a militância

E quem reprime a militância se faz militar
Mas um militar que não se representa
Apenas apresenta
Quem deveria lhe representar

Mas apenas lhe apresenta
A possibilidade de lutar
A luta suja
Contra a militância

O militar e a militância
A militância e o militar
Chega a me dar ânsia, ver o radical da mudança
Ver a ela violentar

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI: A coletivização da felicidade como a superação do instinto





     Dentre as tantas verdades postas pelos sãos e sábios do presente século, a mais  aceita, indiscutivelmente, é a da felicidade colhida pelos crentes no nazareno. A morte não tem mais poder sobre eles e, consequentemente, tornou-se conveniente passar longe de qualquer possibilidade de abraça-la. Seja o que for, o homem que se sacrificou por todos, livrará de qualquer perseguição, desavença, humilhação ou até mesmo sacrifício, somente os que nele crerem. Sendo assim, a felicidade torna-se não apenas um fator que se faz presente de maneira natural ao indivíduo que professa esta crença, mas também obrigatória. Não ser feliz, não ser um vencedor, passa a ser considerado, ironicamente de maneira natural, como algo anômalo frente o coletivo. O sacrífico posto como a maior causa para o efeito que resulta na massa uma intensa admiração pelo cordeiro imolado pelo coletivo, passa a ser usado para justificar a felicidade subjetiva. É o solipsismo dos discursos de interesse coletivo que visam apenas os interesses individuais.

     A tristeza da contra-cultura não cabe dentro do conceito de felicidade de quem recebe o Cristo. Receber o Cristo é o ápice da vitória, neste mundo e em quantos mais existirem. Ser eterno como Deus, e ser feliz, se possível, até da forma como muito provavelmente o Deus que professam ter vindo ao mundo como homem não foi, superando-o, pelo seu sacrifício que no caso propiciaria esta possibilidade. Ser contra-cultural é se sacrificar, é abraçar a insanidade do "em prol do todo" e com ela a crucificação dos homens da lei que assinam na Terra e tem o apoio dos celestes sobre a sua pena.

    Não vejo outra coisa no Cristo se não a procura pela perda. A perda de si pelo todo, que gera o verdadeiro lucro. O único lucro, se perspectivarmos o lucro da maneira mais sincera e cristocêntrica possível, está na superação do instinto pelo  pelo prazer plural, que muitas vezes sacrifica o singular e tira dele o que ele poderia vir a ter. Levar a vida para não faltar amor. Não ser um vencedor, dentro dos conceitos seculares frente a vitória. A vitória tende a tornar-se não mais a derrota do outro, mas a superação que emerge de uma tentativa em superar a ganância  do si sem dó, o que viria a harmonizar a alma, de maneira a afiná-la. Não só uma, mas duas, três, quantas vezes forem necessárias.

    Cristo: perdeu a sua vida para ganhar as outras, chamou de bem aventurado o que chora, aconselhou os seus a abaixarem as suas armas frente o levante do inimigo e,  não contente com isso, pediu para que orassem, invocando bençãos dos céus sobre os que os afrontavam.  O mesmo homem que retirou-se em desertos e jardins, e que por muitas vezes se sentiu só, e que em algumas delas esteve acompanhado apenas por seus inimigos. Esse mesmo Cristo, o que decidiu apresentar-se a nós tendo como cartão de visitas uma bela paisagem, com cavalos, bois, galinhas, urinas e fezes dos mesmos perto de si e de sua família, sendo o mesmo apenas um bebê; o mesmo homem que mesmo sendo aguardado como Rei e cobrado por não atuar à lá Maquiavel, decidindo lavar pés, inclusive de quem viria a traí-lo, quer que você seja absolutamente feliz, dentro de um conceito de felicidade que só cabe ao indivíduo, e não ao todo.

     Que os teólogos hedonistas, narcisistas, nietzschianos e demais adeptos da busca pelo prazer presente no instinto não me ouçam, a não ser que reflitam no que nos é apresentado pelos chamados evangelhos, mas sou ateu com relação a essa felicidade.

     Bem aventurados os que choram. 
    

 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A corça e o tigre



    Um tigre caçava uma corça, mas ela fugiu pulando e gritando na direção de um precipício. Ela pulou. O tigre também. Ambos morreram.
    Yulizi* fez um comentário:

— A corça precisava pular, pois, tendo o precipício na frente e o tigre atrás, não havia outra saída. Se a corça voltasse, seria devorada. Se pulasse no precipício, haveria uma pequena chance de se salvar, o que, em último caso, seria melhor do que ser devorada pelo tigre. Já o tigre, poderia parar ou seguir adiante, dependendo de sua vontade.



— Então, por que ele escolheu pular e morrer junto com a corça?

— Se a corça não tivesse pulado, o tigre não teria morrido. Isso mostra a estupidez do tigre diante da habilidade da corça. Os que são despóticos e avarentos como os tigres bem que poderiam aprender essa lição.

Liu Jiu




*Yulizi é o pseudônimo do escritor Liu Jiu (1311-1375). Em "Os autores", no fim deste livro, há uma nota sobre ele.

CAPPARELLI, Sérgio e SCHMALTZ, Márcia. Fábulas Chinesas. L&PM POCKET, p 26.


terça-feira, 16 de julho de 2013

MANHÃ CINZENTA




     Sim, hoje é uma daquelas manhãs cinzentas, que eu me levanto sem saber o porque, manhãs a qual eu deveria ter riscado do meu calendário, manhãs que eu espero por um amor que você não é, por um amor que eu não sei quem é, um amor que nem eu mesmo sei ser, tentando ser alguém eu sou apenas mais um na multidão, mais um que segue o fluxo do rebanho que segue desorientado pelos pastos verdejantes desta vida. 

    De tanto ver prosperar o ódio daqueles que dizem fazer isso em nome do amor o homem chega a desanimar de existir, ao ver tanta segregação onde muitos chamam de congregação, ver almas espalhadas e vidas destroçadas onde muitos chamam de ajuntamento, assim é pelo chão desta nação, assim é até além do mar, onde o prazer se torna risco de morte, ser quem se é pode custar caro demais. Daí você observa o mal triunfar sobre o bem, o ódio sobre o amor, a emoção sobre a razão, o fútil sobre o coerente, o esquizofrênico sobre o lucido. 

    O carimbo da tragédia é quando você observa muitos na Igreja preocupados com a data em que o padre ou pastor irá celebrar seus casamentos, enquanto você se preocupa com a data em que ele vai celebrar seu funeral. Se eu morrer antes dos 30 ou 40, não julguem ser este um castigo eterno ou que pago por algum pecado grave e oculto, mas entendam como uma resposta de Deus a minha oração, pois vejo a solução desse mundo injusto e segregador algo tão distante.  Mas se Nosso Senhor quiser e permitir que viva eu por 60, 70, 80, 90 anos ou mais, cumprirei minha tarefa e missão até Ele me recolher, caminhando em direção desta utopia, que mesmo nas manhãs mais cinzentas me encoraja a não desistir de chegar ao horizonte e tocar ao céu, não pra me gloriar, mas pra levar comigo todos aqueles que entendem que o sentido da vida é viver, pois viver com amor faz a valer muito mais, viver acreditando no amor, mesmo que não o sinta.

por Rafael Muniz (escritor e filósofo contemporâneo)

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Oração de Nietzsche: Ao Deus desconhecido





Oração de Nietzsche: Ao Deus desconhecido 


01/04/2011

 Muitos só conhecem de Nitzsche a frase “Deus está morto”. Não se trata do Deus vivo que é imortal. Mas do Deus da metafísica, das representações religiosas e culturais, feitas apenas para acalmar as pessoas e impedir que se confrontem com os desafios da condição humana. Esse Deus é somente uma representação e uma imagem. É bom que morra para liberar o Deus vivo. Mas não devemos confundir imagem de Deus com Deus como realidade essencial. Nietzsche estudou teologia. Eu pude dar uma palestra na Universidade de Basel na sala em que ele dava aulas, quando fui professor visitante em 1998 lá. Essa oração que aqui se publica é desconhecida por muitos, até por estudiosos do filósofo. Por isso no final indico as fontes em alemão de onde fiz a tradução. No original, com rimas, é de grande beleza. LB

 Oração ao Deus desconhecido

 Antes de prosseguir no meu caminho
 E lançar o meu olhar para frente
 Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti, 
Na direção de quem eu fujo.
 A Ti, das profundezas do meu coração, 
Tenho dedicado altares festivos, 
Para que em cada momento
 Tua voz me possa chamar.
Sobre esses altares está gravada em fogo Esta palavra: “ao Deus desconhecido” 
Eu sou teu, embora até o presente 
Me tenha associado aos sacrílegos.
 Eu sou teu, não obstante os laços
 Me puxarem para o abismo.
 Mesmo querendo fugir 
Sinto-me forçado a servi-Te.
 Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
 Tu que que me penetras a alma 
E qual turbilhão invades minha vida. 
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
 Quero Te conhecer e a Ti servir. 

 Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Lyrisches und Spruchhaftes (1858-1888). O texto em alemão pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte von Friederich Nietzsche, Diogenes Taschenbuch, Zürich 2000, 11-12 ou em F.Nietzsche, Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich 1994.

sábado, 13 de julho de 2013

A tentação do Jesus do século XXI




Então foi conduzido Jesus pela Sabedoria ao subúrbio, para ser tentado pela Luxúria.

E, tendo deixado seu carro, notebook, Tv de Led e todos seus instrumentos de prazer pessoas parados  por quarenta dias e quarenta noites, depois teve vontade ;

E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estes postes se transformem em grandes holofotes, com batidas eletrônicas, que se façam sobre eles grandes palcos para seu deleite.

Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de prazeres oferecidos pelo sistema viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

Então o diabo o transportou à Nova Iorque, e colocou-o sobre o terraço do Empire State.
E disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces em boeiro a céu aberto.

Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Amigo Fiel,  o Criador.
Novamente o transportou o diabo a um prédio também grande, chamado Palácio W. Zarzur;e mostrou-lhe todos os outros prédio da cidade de São Paulo, e a glória deles.

E disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, adorares a luxúria do capital.

Então disse-lhe Jesus: Vai-te, Luxúria, porque está escrito: Ao Amigo,  adorarás, e só ao bem que  ele propõe para que todos sejam livres, servirás.

Então a Luxúria o deixou; e, eis que chegaram os que tentavam ser como ele, e o fizeram companhia.

Mateus 4:1-11

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O que Deus teria a dizer sobre Deus?






Um dos mais belos textos sobre Deus que já pude ler. Spinoza: um dos maiores "hereges" de todos os tempos.

"Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.

Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?

Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.

Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?

Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu te sentes grato?

Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido? Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti."


Baruch de Espinoza

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sobre Joaquim Barbosa, reforma política, voto distrital, democracia direta e capitalismo



Sobre Joaquim Barbosa, reforma política, voto distrital, democracia direta e capitalismo:


Acho a ideia de voto distrital bem interessante. Mais do que isso ainda, to com a galera que vota pela democracia direta, tal qual o modelo democrático que tentamos seguir: o ateniense. Com a tecnologia que temos hoje, não precisamo mais de deputados e senadores. Cada pessoa poderia votar nas leis, conforme a sua consciência, da sua própria casa.

Mas, pensar em qualquer reforma política onde haja representatividade, acho bem difícil mudar algo. A não ser que essa representatividade não fosse assalariada, ou remunerada o menos possível.

Com relação ao Joaquim, que alguns tem cotado para salvar o Brasil, não se enganem: boneco da Veja e do PSDB sim!!!

Joaquim Barbosa é um herói nacional criado pela mídia pra exaltar o "bom" e velho capitalismo. Um "exemplo" do negro pobre que não tinha nada, e pela "meritocracia" chegou onde chegou. Pergunto: quantos negros chegaram onde ele chegou? E por quê não chegam? Por que não querem? Aham...

Nesse heroísmo de direita eu não caio. Nessa figura do capitalismo e da meritocracia eu não creio.

Nunca vi essa direita colocar um carteiro ou um simples professor como exemplo de nada. Exemplo nessa bosta de país, paga pau do capitalismo norte americano, é só que tem uma renda de mais de 20 "mangos" por mês.

Falei do carteiro e do professor exatamente por ter passado por uma das profissões, e por estar hoje em outra delas.

O que mais ainda me impressiona, e ver pessoas que não são classe média alta, ou outras que são, mas que vieram de baixo como eu, apoiarem esse sistema babilônico, a religião de Mamon que é a busca desenfreada pelo lucro.

Quem é injusto, faça injustiça ainda: e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda
Apocalipse 22:11

domingo, 26 de maio de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI: A insanidade no abraço da espera do porvir





    Tomada como cruz a minha camisa de força e erguido o meu estandarte da devassidão moral do questionamento contra cultural, eis que me surge outra fraqueza, deveras tão tola e ridícula quanto toda a loucura diagnosticada até aqui. Eis que surge uma tal espera, dita inalcançável e risível pelos donos da realidade, pelos certos e seguros que já apontam a fé no ser humano como o mais tolo dos caminhos tomado pelos parvos. Eis que ser parvo se torna necessário aos que se lamentam. Lamentar-se de maneira indubitavelmente profética. E não tomo o termo profético de maneira indecente, ligando o termo unicamente às perspectivas sobrenaturais, como se a profecia negasse o natural. Minha tolice não é deste tipo. A lamentação é digna de todo e qualquer Jeremias que chora os prantos do seu povo, sem perder a noção de que é parte deste povo e, por isso, ainda há de haver alguma espera que faça sentido.

    A fé na malignidade humana, no apocalipse zumbi dado como certo, não passa de puro realismo. Mas, muito me pasma ver uma apologética sendo formada em torno de um realismo que visa colocar a contra cultura proposta por Cristo como dispensável frente a realidade, levando-se em conta que os advogados desta causa sejam os mesmos que dizem advogar a causa insana do Cristo. Ora, é possível seguir os passos do Mestre e fixar firmemente os pés na realidade? Na realidade que nega a possibilidade de mudança? Esse negar é realmente a realidade? Não seriam os que deixam de negar esta realidade, de maneira plenamente subversiva, os verdadeiros lúcidos? Quanta relatividade. 

    A tal pós-modernidade, que pariu os subversivos à subversão e, incrivelmente ao conservadorismo, pode ser culpada pela gravidez de tal prostituição? Talvez não, se estes filhos forem ilegítimos. Talvez eles não tenham tido mãe alguma e viram nela a oportunidade de deixarem de serem órfãos. Não contentes, decidiram criar a "Irmandade da desesperança', onde quem tem alguma fé no ser humano, deve ser decapitado o mais rápido possível, pois sua cabeça já não faz falta alguma. 

    Tomados por insanos, abrimos os braços aos normais. Eles mesmos confirmarão que nossas expectativas sempre foram válidas. Que nossas noites brancas faziam parte daquele quente verão. Que decidindo ficar na cidade e não fugir para o campo, optamos por abraçar a loucura do amor que espera, sem lógica alguma, para mais adiante ser tomado pela lógica da confirmação dos que esperam a chamada mudança. Que o mundo seja tomado por insanos que esperam o fim que traz o começo. Sempre lembremos que, quando a caminhada se torna dura, só os duros continuam caminhando. Só os duros são capazes de permanecerem em pé, quando a realidade os convida a deitarem de olhos fechados mas com a boca aberta para convidar os demais a tomarem o mesmo caminho. Sejamos duros em sensibilidade.

sábado, 25 de maio de 2013

Deus nos livre de um Brasil evangélico




Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu
explico. Nos tempos em que outdoors eram
permitidos em São Paulo, alguém pagou uma
fortuna para espalhar vários deles, em avenidas,
com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus.
Povo de Deus, declare isso”. Rumino o recado desde
então. Represei qualquer reação, mas hoje, por
algum motivo, abriu-se uma fresta em uma
comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o
meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A
mensagem subliminar da grande placa, para quem
conhece a cultura do movimento, era de que os
evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o
estado, o país se converterem em massa e a terra
dos tupiniquins virar num país legitimamente
evangélico. Quando afirmo que o sonho é que
impere o movimento evangélico, não me refiro ao
cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e
do protestantismo conhecido como Movimento
Evangélico. E a esse movimento não interessa que
haja um veloz crescimento entre católicos ou que
ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o
Brasil tem que virar "crente", com a cara dos
evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).
Avanços numéricos de evangélicos em algumas
áreas já dão uma boa ideia de como seria
desastroso se acontecesse essa tal levedação radical
do Brasil.
Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de
grupos que anseiam por um puritanismo moreno.
Mas, como os novos puritanos tratariam Ney
Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não
gosto de pensar no destino de poesias sensuais
como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do
Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas
poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam
sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo
em Fé”? Uma história minimamente parecida com a
dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos
boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e
perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes.
Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um
ateu como Carlos Drummond de Andrade? Como
ficaria a Universidade em um Brasil dominado por
evangélicos? Os chanceleres denominacionais
cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se
desqualificasse o alucinado Charles Darwin.
Facilmente se restabeleceria o criacionismo como
disciplina obrigatória em faculdades de medicina,
biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria
dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma
tradução para o português. Mozart, Gauguin,
Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados
como desajustados para ganharem o rótulo de
loucos, pederastas, hereges. Um Brasil evangélico
não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o
Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam
barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam
proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no
domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea
aconteceria quando? Um Brasil evangélico
significaria que o fisiologismo político prevaleceu;
basta uma espiada no histórico de Suas Excelências
18
nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber
que isso aconteceria. Um Brasil evangélico
significaria o triunfo do “american way of life”, já
que muito do que se entende por espiritualidade e
moralidade não passa de cópia malfeita da cultura
do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o
preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar
uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a
dos aiatolás iranianos. Cada vez que um evangélico
critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como
seria uma emissora liderada por eles? Adianto a
resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.
Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia
Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do
Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge
Amado a qualquer livro da série “Deixados para
Trás” ou do Max Lucado. Toda a teocracia se tornará
totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a
cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar
os costumes, moralista. O projeto cristão visa
preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os
costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a
fé de um centurião adorador de ídolos era singular;
e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma
espiritualidade digna de elogio como aquele soldado
que cuidou do escravo. Levar a boa notícia não
significa exportar uma cultura, criar um dialeto,
forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos
podem continuar a costurar, compor, escrever,
brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de
solidariedade; Deus não é rival da liberdade
humana, mas seu maior incentivador.
Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Ricardo Gondim (Pastor "evangélico", teólogo, filósofo e, ainda humano)

O Bom Travesti






E perguntaram a Jesus: “Quem é o meu próximo?“ E
ele lhes contou a seguinte parábola:
”Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando
por uma rua escura, um garçom que trabalhara até
tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de
garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se
pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes
estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o
homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com
armas na mão e disseram: “Vá passando a carteira“.
O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o
dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco
dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram
brutalmente, deixando-o desacordado no chão. Às
primeiras horas da manhã passava por aquela
mesma rua um padre no seu carro, a caminho da
igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele
homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi
até ele e o consolou com palavras religiosas: “Meu
irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de
lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais
que você.“ Ditas estas palavras ele o benzeu com o
sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de
absolvição de pecados: “Ego te absolvo...“ Levantouse
então, voltou para o carro e guiou para a missa,
feliz por ter consolado aquele homem com as
palavras da religião. Passados alguns minutos,
passava por aquela mesma rua um pastor
evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir
uma reunião de oração matutina. Vendo o homem
caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou
o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou,
baixinho: “Você já tem Cristo no seu coração? Isso
que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que
acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à
igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está
chamando ao arrependimento. Sem Cristo no
coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se
dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e
seus problemas serão resolvidos!“ O homem gemeu
mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido
como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então,
“aleluia!“ e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter
permitido salvar mais uma alma. Uma hora depois
passava por aquela rua um líder espírita que, vendo
o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: “Isso
que lhe aconteceu não aconteceu por acidente.
Nada acontece por acidente. A vida humana é
regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem
numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você
está pagando por algo que você fez numa
encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você
tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe
fizeram. Mas agora sua dívida está paga. Seja,
portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram
um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e
você poderá continuar a evoluir.“ Colocou suas
mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe,
levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da
justiça da lei do karma. O sol já ia alto quanto por ali
passou um travesti, cabelo louro, brincos nas
orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de
batom. Vendo o homem caído, parou sua
motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única
palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na
motocicleta e o levou para o pronto socorro de um
hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E
enquanto os médicos e enfermeiras estavam
distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o
dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem
ferido.”
Terminada a estória, Jesus se voltou para seus
ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou
com amor e lhes perguntou: “Quem foi o próximo
do homem ferido?“

Rubem Alves

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Comecei



Comecei a compreender
Que não há nada mais subversivo
Do que ser compreensivo

Que não há nada mais ativo
Do que ser auxílio
Em meio ao exílio

Que não há nada mais chamativo
Do que ser abusivo
Sempre sempre alternativo

domingo, 19 de maio de 2013

Cavernoso

 


Onde me escondi?
Que raio de caverna é esta que me cobre?
Eu quero a chuva
Eu quero os furacões

O deleite dos tolos
A jovialidade da imbecilidade
Se fazem nítidos

Saíram vencedores?

Me reboquem a alma
E com ela os muros do meu mundo
Do inverno dos homens
Da Antártida da contemporaneidade

Eis o choro da alma
Dos que ainda têm calma
Da calma do que cisma ter alma
Da alma que quer ver a fauna

Felicidade, fugitiva procurada
Recompensa dos fracos
Dos fracos da luta armada
Que resolveram largar as armas

Despejo, entulho, impureza
Sorriso disfarçado de tristeza
De vícios está cheia a mesa
Descrença a mãe da frieza

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Lamentações de um Jeremias do séc XXI: E foi aí que eu fiquei louco




   A liturgia popular geralmente não se diferencia muito nas reuniões protestantes brasileiras. De maneira geral, um testemunho particular de quem está fazendo a oratória precede ou sucede o apelo público, afim de que alguma mão se estenda e de que um rosto apareça em prantos afim de que esta aceitação individual gere uma aceitação coletiva ao que foi proposto pelo pregador. Vou fazer uso da mesma metodologia frente a proposta anterior da aceitação da contra-cultura como profissão de fé, mas de maneira contrária a dos  dos propagandistas do presente século, sem esperar que muitas mãos se levantem comovidas pela minha voz, ou em prantos por conta da minha história. 


    O dia em que decidi que seria melhor deixar que dissessem que eu havia me tornado um louco, se comparado com  a ideia de estar mal acompanhado, foi um "dia de mil anos". Um dia que se construiu  de maneira própria e duradoura, no chamado longo prazo e, como sempre angustiante, mas de resultados eficazes. 


    Se a história da minha loucura começa com o protestantismo, ou com  isto que  presentearam com tal  alcunha, ao qual me apresentaram como único e suficiente meio de manifestação de fé e vida comunitária perante a aceitação da mensagem de Cristo, devo ter por consolo que não fui o único a comprar a mercadoria. Aliás, tenho também por consolo que não fui exatamente um comprador. Eu diria que fui um "beneficiado" pela livre e espontânea imposição. 

   Mas, nada que é imposto dura muito. O imposto é falso. O imposto é um impostor mascarado de verdade. De uma verdade que nunca foi verdade, pois não pode ser verdade algo que visa agradar a mentira. Não se assuste. Não falo do Cristo, mas falo do cristianismo, ou cristandade como queiram. O estudo da História me fez diferenciá-los. Diferenciar o Cristo de todo o resto. Mas, como diferenciar o Cristo de todo o resto, se tudo o que sabemos sobre o Cristo, veio por meio de todo o resto? Simples: respirando.

   A escolha por viver a minha vida foi o componente básico para que eu pudesse adoecer. Em mim foi instaurada a loucura de tentar vislumbrar uma vida segundo os moldes do Cristo a mim apresentado, sem precisar do Cristo que me foi apresentado. É a loucura que gera tais paradoxos. A loucura da contra cultura, que não se sustém por discursos, que não sacia a sua sede por retóricas, que não se contenta em dormir ao lado das doutrinas e acordar molhado junto delas na cama. 

    Quando a oportunidade de viver me foi dada, por meio da dúvida e da apresentação da contra-cultura, não exitei mais em abraça-la. Tudo porque o amor ali estava, e não mais o via, senão nos olhos dos que reivindicavam a sua humanidade em meio aos zumbis. Dos que resolveram negar a si mesmo e tomarem a cruz da liberdade, tão pesada para os que estão acostumados a carregar nos seus ombros a hipocrisia do Cristo que ouviram e aceitaram, e não do Cristo contracultural, do nazareno da liberdade. 

    Que me tomem por masoquista! Que me tragam a camisa de força! Mas, o fardo da liberdade é um fardo a ser carregado sem as mãos do corpo, mas com a virtude da alma, que só os seres pensantes e, por isso loucos, podem suportar. Suportar é o termo para os que tem tal coias como pesada. Para os que me entendem e aceitam o meu testemunho, o suportar já não faz sentido algum, pois a razão do nosso sorriso não pode ser tida como algo suportável, mas sim como algo adquirido com alegria e paz.
 

O riso do riso




Se quem ri por último ri melhor
Quem riu primeiro é um tolo?
Dependendo do que se ri
O dito sábio foi mais bobo

A abelha que sai da colmeia da tristeza
Em busca da virtuosa felicidade
Tem por certo que o primeiro riso
É um riso de verdade

O restante que ficou
Resmungando do levante primeiro
Terminou rindo de inveja
Do sorriso verdadeiro

Logo pergunto, quem riu imensamente?
Quem é tolo realmente?
Quem é triste de verdade
E quem busca ser contente?

sábado, 11 de maio de 2013

Dono do Bar



Os problemas, os dilemas
Teorias, encho a cara
Em uma roda, de ideias
Pego o copo outra vez

Minha sede, não termina
Pra mim não basta só um gole
Quero me embriagar de soluções
Pra vida

Se é Graça ou se é lei, não sei
Eu só sei que eu não pago pra saber
Que o Seu amor está sempre disponível
Sempre acessível

Pra sentar nessa mesa, eu não paguei
Muito menos para consumir
Nem dá pra acreditar, que é graça
Do Dono do Bar

domingo, 5 de maio de 2013

Homens da modernidade



Se tudo na vida
Fosse mentira como dizem
Fadados estaríamos
De sórdida verdade

De um povo deveras falante
Pintaram um quadro sem colóquio
Desespero ofegante
De quem corre sempre sóbrio

Nós, homens da modernidade
Envoltos no manto da pátria
Cansados da normalidade
Tomamos por certo o incerto

O amanhã sempre igual
Contendo os seus divisores
Sem falas iguais, nem humanas
Na busca de nossos amores

Paixões, inflamadas
Nações, desalmadas
Canções terminadas
Almas desgraçadas

domingo, 28 de abril de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI - A contracultura como profissão de fé



    Todo o religioso é dono de um grande e útil espelho falante. A madrasta do personagem Branca de Neve resume bem o que somos, há muito tempo. O espelho de todo o religioso  tem a função de informar-lhe o quão belas são as suas convicções perante o desprimor duvidoso e irracional das outras concorrentes. Todo o religioso entende-se como despertado. Mas, nem todo o despertado entende-se enquanto religioso. Tomemos aqui religioso por pessoa que se comprometeu a seguir certas regras estabelecidas por um determinado grupo coletivo, afim de que estas regras evidenciem a sua fé no que professa este determinado grupo, angariando-lhe coisas boas para esta vida e aquela que há de vir após esta.

    Logo, o despertado terá o anseio de despertar aos que dormem. Definirá, logo então, quem são os que dormem, e esta tarefa será bem simples, já que terá por sonolência toda e qualquer ideia que  sugira que a sua ideia é a que evoca sonolência.  Parafraseando Machado de Assis "é a eterna contradição humana".

   
Entendo que a compreensão disto é o verdadeiro despertar. Mas, fazendo isto, não estaria eu também me tornando um religioso? Sim, claro. Todos somos em alguma medida. Se religião é o canal de ligação entre o homem e o sobrenatural, logo, todos nós, sem exceção, nos tornamos religiosos ao acreditarmos em qualquer coisa que fuja a naturalidade do que vemos. Veja o exemplo na fé da prática do amor por parte dos homens, fazendo brotar com esta  uma sociedade mais justa. O ateísmo e o agnosticismo, que forem militantes desta causa, tornam-se não mais do que duas grandes profissões de fé naquilo que não se vê, tal qual define o tão ressaltado Paulo de Tarso. Logo, irão querer passar adiante a sua fé, coisa típica de todo o religioso.

    Não vejo problema na "evangelização", seja ela de cunho cristão-católico, protestante, umbandista, judeu, budista, kardecista, ateísta ou de qualquer outra perspectiva. Não. Ter algo como bom e querer dar este presente a outra pessoa é uma grande virtude. O problema não está aí. O problema está quando este "dar" se torna "impor". Pois bem, nesse sentido venho sugerir uma nova profissão de fé, frente a cultura da imposição: a profissão de fé na contracultura. A profissão de fé na possibilidade não não impor nada a outrem.

    A contracultura tornou-se muito conhecida nos últimos tempos, principalmente pelos movimentos musicais e sociais, de ideologia política. Acho que nada mais espalhou melhor a mensagem da contracultura do que estes "dois evangelistas". Mas, para ser contracultural, basta a profissão de fé? Para ser contracultural basta vestir roupas estranhas, ter um cabelo estranho, falar coisas estranhas, e finalmente, tentar ao máximo ser o mais estranho possível ao que é tido como normal? Talvez o não seja a melhor das respostas.

    A contracultura do século XXI seria o amor incondicional. Amar, sorrir, abraçar, oferecer a outra face, priorizar sempre o outro, perdoar, conversar, andar devagar, refletir, observar, ouvir mais, visitar, convidar, oferecer; tudo isto resumiria a religião que poderia ser tida como a religião dos despertados que não querem despertar pela imposição, mas simplesmente amar, ou seja, respeitar e servir mesmo os que insistem em dormir. A contracultura que poderia ser a salvação da humanidade. Sim, a contra-cultura como única e suficiente salvadora.

   Com base nisto, costumo afirmar que existem dois cristianismo, ambos absurdos. Um é este que anula todo o desenvolvimento humano que nega o que se acredita piamente por meio do espelho do ego religioso. Que prega a paz por meio de atitudes violentas, fisicamente e moralmente. Que serve a um deus que mata por matar, sem sentido algum. Que toma por literal toda e qualquer fala de alguém que roda e fala palavras estranhas, tendo estas como promovidas pelo próprio Criador. Que crê que um livro, escrito por homens tão falhos como os próprios leitores, tenha sido todo sussurrado por uma tal de  inspiração, vinda esta do próprio Deus. O outro, tão absurdo quanto e apresentado por Jesus, é tão irracional quanto o primeiro, justamente por ir na contramão dele, que é o predominante, incentivando-nos a dar, e não receber, contradizendo assim o primeiro dos absurdos proposto pelo cristianismo. Propõe o amar incondicionalmente. O primeiro dos absurdos traz a desgraça, mas o segundo, a felicidade.


    Se, neste momento, alguém pode aceitar a contracultura como única e suficiente salvadora, que a receba colocando as mãos no coração que só o Pai desta pode ver, e evidenciando-a perante a sua maneira de viver, que os outros homens também podem e necessitam observar.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Inocente Consciente




O que seria da minha vida
 Se não fosse a poesia
O que seria do meu canto
 Se não fosse o desencanto

O que seria do recanto
 Se não fosse o abeirado
O que seria do sábio
 Se não fosse o insensato

À beira do precipício
 Jaz o homem de ofício
Que não é de se importar
Com desleixo ou compromisso

Como fica a mãe Terra
 Sem a alucinação
Da poesia e do canto
 Conscientes deste chão

O chão que piso
 Lavado de sangue
Do pobre, do rico
Do esquecido e do importante

Distante importante
Próximo inexistente
Refugo do espetáculo
De uma sociedade ausente

O presente
Ah, o presente descontente
Aliviado pela esperança
De um futuro  mais inocente

Inocente consciente
Mas nunca distraído
Consciente inocente
Mas nunca desapercebido

domingo, 14 de abril de 2013

Professor profecia


Quem professa,  o que professa?
Seja profeta, seja professor
Tem que professar! Tem que professar!
Uma profissão de fé
Da fé que move montanhas
As montanhas da alma

São muitos os profetas
Que apenas professam o óbvio

Profeta que professa o presente
Não é nada mais que profeta ausenteProfeta que é profeta vê longe
Já está lá na frente

Professo o riso de quem chora
E o choro de quem hoje ri
A chuva caindo lá fora
 Que rega o jardim que está por vir
Ah , o porvir
Quem dera fosse o porvir mais ouvido
E um pouco mais visto também
Mas como ser visto em terra
De cego que acha que de tudo vê?

E que tudo que vê já lhe basta
E de tudo o que basta já tem
O suficiente pra não dizer basta
Ao sofrimento que a uns poucos convém

Já fora o tempo
Em que profeta era sacerdote, clérigo
E lindo é o tempo moderno
Em que louco é dito profeta
E qualquer sábio, é sábio de merda

Profeta não é profissão
Profeta é a voz da ilusão
De alguém que ama a razão
Mas professa com o coração

domingo, 10 de março de 2013

Desmascarando a teoria camita defendida por Marco Feliciano

         

    Estou disponibilizando para os que acompanham o meu blog um trabalho acadêmico feito por mim e meu colega Hector Maia em 2010 sobre a questão da teoria camita e suas reais intenções, tendo vista a polêmica em torno da mesma nos últimos dias. Desde já grato pela atenção de todos. Compartilhem se puderem.



Introdução

Mais do que qualquer outra região, qualquer outro continente, a África foi e continua sendo, indiscutivelmente, a maior vítima de uma percepção preconceituosa no que diz respeito à visão eurocêntrica, que acabou se tornando em determinados momentos da história uma visão universal. Isso é o que vem a ser destrinchado ao longo do texto que tem por titulo “a Percepção da África”; dos autores Carlos Serrano e Mauricio Walldman, onde os mesmos têm por finalidade levar o leitor a uma compreensão coerente, que ultrapasse os limites deixados a nós ocidentais pelo imaginário europeu no que diz respeito a este vasto continente: a África.
Para que possamos entender melhor o que foi e o que é hoje a África no que diz respeito a sua cultura, sociedade e economia, primeiramente se faz necessário que “caiam as escamas” de nossos olhos. Precisamos buscar compreender melhor este continente tendo consciência de que muito, senão tudo do que aprendemos até então sobre o mesmo, foi formado por uma visão preconceituosa e extremamente eurocêntrica. E, tendo consciência de que existe e já existiu de uma maneira muito mais intensa esta visão, é preciso problematizar a fim de entender quais fatores levaram a Europa a se colocar em uma posição privilegiada com relação ao cenário econômico, social e político  do planeta em diferentes épocas e contextos.




1.   A Europa convencida de sua superioridade

Bem sabemos que a Europa sempre se colocou como uma civilização acima das outras. Isso foi o resultado de uma série de conjunturas, de todo um processo histórico, no qual este cenário de superioridade européia foi se configurando ao ponto de expandir este conceito de superioridade ao resto do mundo, fazendo com que em determinados momentos todos o tivessem como certo e indiscutível. Porém, isto será abordado mais adiante. A principio seria de relativo interesse entender quais motivos levaram a Europa a usufruir deste “complexo de superioridade” sobre a África e a razão pela qual o continente africano pode ser considerado a maior vitima deste eurocentrismo. Vejamos do que fez uso a Europa para colocar a África abaixo dos outros continentes. Comecemos por uma citação do texto base “A percepção da África”:

O imaginário europeu devotou para as terras africanas e para seus habitantes um amplo leque de injunções desqualificantes, muitas vezes respaldadas pelos expoentes da chamada “grandes intelectualidade” européia.
SERRANO, Carlos. WALLDMAN, Mauricio. Memória d´África – Temática Africana em sala de aula. Editora Cortez. 2007. p.21

A África, tendo em vista o que foi citado anteriormente, torna-se vitima de uma percepção em que é vista como uma terra que está literalmente condenada ao “papel de espaço periférico da humanidade” (Serrano e Walldman p. 21). Esta civilização leva consigo a idéia de selvageria, de um povo bárbaro, de uma sociedade não-civilizada. Idéia esta formada por mitos religiosos, questões geográficas, (dentre estas o seu clima tropical), questões raciais, étnicas e principalmente questões econômicas. Os europeus estavam muito convencidos de sua superioridade em muitos aspectos, e isto, mais uma vez faço enfático, devemos ter como primazia em nossos estudos. Vejamos o que diz Alberto da Costa e Silva sobre isto: “Convencidos de sua superioridade, procuravam atribuir ao outro a imagem de que si próprios haviam construído e se punham a crer que o nativo os tinha por sobre-humanos.”(SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: A África e a escravidão de 1500 a 1700. Editora Nova fronteira. 2002. p. 360)
Como vimos, a África era tida com um continente limitado, povoado por selvagens incapazes de se organizarem com a finalidade de se obter uma estrutura social, que fosse condizente com a idéia de sociedade que tinham os Europeus. Partindo-se desta questão, como se posicionaram os grandes pensadores ao longo da história , principalmente no período iluminista, com relação a este conceito estabelecido dos europeus com relação aos africanos? O que de fato pensavam com relação ao “olhar o outro” com um ar de superioridade como faziam os europeus? Será que se posicionavam a estas concepções, ou se omitiam? Ou ainda mais, será que também não usufruíram destes conceitos eurocêntricos sobre a África?



2.   A África, o Iluminismo e a filosofia

Um fator importante a se destacar é que nas falas de Serrano e Walldman é enfatizado de que mesmo no período iluminista, onde os filósofos atuavam como a força pensante e questionadora aos moldes do sistema dominante europeu, a África acabou por ser esquecida em suas críticas e questionamentos. Mas, será que de fato a África foi esquecida nas falas destes grandes pensadores? Abordaremos esta questão partindo de algumas reflexões com base nas concepções e falas de alguns filósofos, tanto do período iluminista como de períodos anteriores e posteriores ao mesmo. Começaremos a fazer está reflexão com base em alguns temas tratados por grandes pensadores ao longo da história como, por exemplo, a escravidão e outras situações relacionadas à questões de igualdade e preconceito.
Alguns filósofos como Jonh Locke, por exemplo, defenderam assiduamente a escravidão. Muito antes do período Iluminista, Aristóteles havia feito um tratado político defendendo a escravidão. Montesquieu (este também do período iluminista), também apoiava a escravidão, tendo-a por civil e tolerável. Voltairé, um dos pensadores citados por Serrano e Walldman e que talvez tenha sido o maior pensador do que chamamos de período iluminista, escreveu alguns textos citando questões como igualdade, preconceito, propriedade, senhorio e  muitas outras como  veremos adiante.
Já que Voltairé é tido por muitos como o maior pensador e critico do Iluminismo, partiremos da análise de uma de suas mais importantes obras, o “Dicionário Filosófico” (1764), onde suas críticas procuram demonstrar as contradições embutidas nas concepções que ataca, onde na maioria das vezes as faz de forma leve e sutil, ridicularizando a certeza humana em dados momentos. Daqui em diante, observaremos sua obra com o fim de obtermos algumas conclusões e formarmos uma opinião consistente no que diz respeito ao papel da filosofia nas questões escravistas da qual, no período do Iluminismo, a África era a maior vítima.
No texto que colocaremos em evidência, por conseguinte, fica claro que Voltairé era ciente que questões relacionadas à escravidão perduravam por longos anos e que o continente europeu sempre foi o grande manipulador desta “proeza”. Vejamos isto em sua definição sobre escravos, no mesmo dicionário filosófico: “Tudo o que se pode recolher do emaranhado da história da Idade Média é que no tempo dos romanos nosso universo conhecido se dividia entre homens livres e escravos.”(VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.241).
Vejamos outro trecho da obra de Voltairé onde relata a questão da escravidão como algo de longa duração e até natural na abordagem que o mesmo faz na história da humanidade.

                    “A escravidão é tão antiga quanto a guerra, e a guerra é tão                    antiga quanto a natureza humana. Nenhum legislador da antiguidade tentou ab-rogar a escravidão: ao contrário, os povos mais entusiastas da liberdade, como os atenienses, os espartanos, os romanos, os cartegineses, foram os que tiveram as leis mais duras contra os servos e os escravos. “
VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.241

Voltairé também afirmava ser a escravidão algo presente em diversas culturas, tanto no Oriente quanto no Ocidente, entre judeus, muçulmanos (entre estes, africanos muçulmanos, acreditem), e até mesmo entre os cristãos europeus. Vejamos mais uma de suas falas no Dicionário Filosófico:

“Entre os africanos muçulmanos e os europeus cristãos sempre subsistiu o costume de pilhar e de escravizar tudo o que é encontrado no mar. Os religiosos de Malta, sucessores de Rodes, juram pilhar e acorrentar todos os muçulmanos que encontrarem. As embarcações do papa vão prender argelinos ou são capturados nas costas setrintoriais da África. Aqueles que se diziam brancos vão comprar negros a bom preço para revende-los na América.”
VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.241

Como pudemos observar ao longo das falas de Voltairé, é evidente que ele era conhecedor das práticas escravistas que perduravam por muito tempo, e que eram praticadas não só por europeus, mais por diversos povos colonizadores. Ainda em Voltairé e em seu dicionário filosófico vejamos algumas de suas falas no tópico intitulado “Igualdade”:

“O que um cão deve a outro cão e um cavalo deve a outro cavalo? Nada. Nenhum animal depende de seu semelhante; mas o homem, visto que recebeu o raio da divindade chamado razão, qual é o fruto disso? O de ser escravo em quase toda terra.”
VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.333


Voltairé desenvolve em seu conceito de igualdade, uma crítica ferrenha às práticas escravistas ao longo da história da humanidade. Crítica está que tem por finalidade questionar todos estes períodos em que prevaleceu a escravidão, deixando claro que este é um mal que não provém de ordem natural, mais da eminente ação do homem e de sua organização social. Vejamos mais uma de suas falas onde isto fica evidente:

“Nesse estado tão natural de que gozam os quadrúpedes, as aves e os répteis, o homem seria tão feliz quanto eles, a dominação seria então uma quimera[1], um absurdo em que ninguém pensaria, pois, para procurar servos quando não se tem necessidade de serviço algum?“
VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.333

Ainda falando com respeito a questões igualitárias, temos um tópico denominado “senhor” no mesmo dicionário filosófico que tem por finalidade trabalhar mais uma vez esta questão do individuo que se sobrepõe à outro indivíduo. Vejamos um trecho do mesmo: “Como é que um homem pôde se tornar senhor de outro homem e por que espécie de magia incompreensível pôde se tornar senhor de muitos outros homens?” (VOLTAIRÉ, François-Marie Arouet. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Escala, 2008. p.458)

Os autores de nosso texto “A percepção da África”, alegam terem os filósofos “se esquecido” do continente africano. De fato, Voltairé em suas palavras não faz referencia a África em si, mais como observamos, expressava seu pensamento com relação a valores de igualdade entre os homens, o que enquadrava o território africano e seus povos de maneira indireta. O fato é que mesmo Voltairé, que fez questão de falar tanto sobre suas concepções de igualdade, esqueceu-se das mesmas em suas práticas no cotidiano como citam alguns documentos. É o que diz um trecho da coleção Grandes Pensadores da história universal, da editora Abril. Vejamos: “Voltairé por um lado defendia a liberdade, e pelo outro era sócio no tráfico de escravos negros.[2]” Se de fato o que foi publicado pela editora Abril for de verossímil coerência, e entendermos que a prática de um ideal igualitário fala mais alto do que o discurso concernente ao mesmo, de fato temos que concordar com Walldman e Serrano e dizer que estão certos quando dizem ter os pensadores iluministas se esquecido do continente africano.  Mais do que isto, saber que Voltairé nunca falou da África de maneira direta nos remete a alguns questionamentos como por exemplo: por quais motivos teria Voltairé enfatizado tantos períodos escravistas, em diferentes lugares do mundo através de diferentes culturas, mais não fez questão de mencionar o que presenciava em seus próprios dias no que diz respeito a prática escravista, visto que, como dissemos anteriormente, ás práticas escravistas se davam de maneira extremamente intrínseca com os povos da África subsaariana por parte dos europeus? Será que Voltairé se sentia constrangido em falar sobre a escravidão para com os povos africanos, visto que suas práticas não fariam jus ás suas falas? Será que não citou estas questões por entender que, ao falar de diversos momentos históricos em que se deu a escravidão, entendia que indiretamente estava insinuando a situação que presenciava em seus dias?  Estas são algumas questões a se pensar no que diz respeito a filosofia no período iluminista no que diz respeito à prática escravista intensa para com os africanos.
Nietzsche em sua “Genealogia da Moral” irá desenvolver a idéia já apresentada em Humano, Demasiado Humano e Para além do Bem e do Mal, de que existe uma dupla origem para nossos juízos de valor, resultante de duas formas distintas de avaliar a vida: a moral dos senhores e a moral dos escravos. Entretanto, por outro lado, o protesto de Nietzsche, que vê na  humildade é simplesmente um aspecto da "moral dos escravos", obviamente é dirigido ao típico conceito medieval de humildade[3].
Outro filósofo marcante do iluminismo, mais precisamente do iluminismo francês, Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de Junho de 1712 — Ermenonville, 2 de Julho de 1778), considerou qualquer simples existência de escravidão como prova evidente da decadência da sociedade civilizada em sua obra “Discurso sobre as origens e os fundamentos de igualdade entre os homens – 1754.”
O filósofo e matemático francês Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet (Ribemont ,Aisne, 17 de Setembro de 1743 - Bourg-la-Reine, 28 de Março de 1794), normalmente referido como Nicolas de Condorcet escreveu um famoso ensaio[4], mais apesar de todo o esforço dele e de muitos outros pensadores, a abolição da escravidão só veio a ser aprovada em 4 de fevereiro de 1794, na época da convenção.[5]




                                                                         Ensaio de Condorcet

Deixemos que cada indivíduo ao ler o que foi exposto até então, tire suas próprias conclusões e reflita se acaso a África foi de fato esquecida pelos filósofos iluministas. E, se de fato não fizeram questão de falar da África de forma direta, porque o fizeram? Porém uma coisa é evidente: que o combate veemente á prática da escravidão era algo que ainda estava muito distante da realidade do mundo ao qual estavam inseridos estes pensadores.

3.   Etnocentrismo, Eurocentrismo – entendendo melhor o preconceito

Como dissemos anteriormente, buscaremos encontrar evidências que nos ajudem a entender a real razão para que a Europa criasse uma visão tão repleta de aversão aos povos africanos. Para entendermos isto melhor é preciso que façamos uma breve reflexão sobre três conceitos: o etnocentrismo, o eurocentrismo e o afrocentrismo.

·         Etnocentrismo

O etnocêntrismo consiste ao que cada grupo étnico tende a elaborar, valorizar no que diz respeito a sua própria cultura. Podemos dizer que está é uma característica universal inerente tanto aos povos nativos do terceiro mundo quanto aos europeus. Segundo muitos pesquisadores, se faz comum a associação de eurocêntrismo como mais um etnocêntrismo. Porém, deduzimos que o eurocêntrismo se diferencia do etnocêntrismo por algumas questões.

·         Eurocentrismo

Sabemos que o eurocentrismo não corresponde a uma única etnia, visto que na Europa existem diferentes grupos étnicos. O eurocentrismo na verdade é uma visão articulada a partir de suas referências clássicas: as civilizações grega e romana, onde algumas características se destacam, como por exemplo os processos violentos de uma ideologia e a falsificação histórica. Ou seja, a universalização do modo europeu é o que diferencia o eurocêntrismo do etnocêntrismo.
Dentro dessa visão greco-romana, que acabou por se tornar a visão do que hoje chamamos de civilização Ocidental, as culturas dos povos dominados são retratadas como arcaicas, primitivas e erráticas, que pouco progrediram e pouco influenciaram no desenvolvimento da humanidade. [6]


4.   O preconceito atrelado a religião

A visão eurocêntrica sobre a África, não está atrelada somente a questões étnicas, mais está fortemente ligada a questões religiosas.

 “As fábulas criadas sobre os povos africanos já é muito antiga, mais toma ainda mais força quando a ideologia judaico-cristã passa a fazer parte deste cenário.” O pensamento europeu da época alimentava-se na Bíblia, na doutrina da Igreja e na antiguidade Greco-romana.”
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: A África e a escravidão de 1500 a 1700. Editora Nova fronteira. 2002. p. 855

Segundo Serrano e Walldman, uma das grandes razôes para que o conceito de superioridade dos europeus sobre os africanos se fizesse ainda mais forte do que sobre qualquer outra cultura foi o conceito formado em cima da “teoria camita”.

“... a infame teoria camita, interpretação que estigmatizava os negros enquanto descendentes do personagem bíblico Cam como indignos, posteriormente conotada pelo pressuposto que os africanos estariam fadados a escravidão.”
 SERRANO, Carlos. WALDMAN, Mauricio. Memória d´África – Temática Africana em sala de aula. Editora Cortez. 2007. p.25


Próximo ao ano mil, as referências sobre o que era chamado até então de Aethiopia, estavam completamente atreladas pelo imaginário da cristandade. Sobre as interpretações teológicas cristãs, co-relacionadas com as geográficas, articulava-se a difusão da teoria camita sobre a origem das populações negro-africanas. Mais do que isto, a cor negra foi associada a uma representação da maldade bíblica, o que contribuiu ainda mais para uma visão de desprestigio geográfico e cultural a África.
Essa teoria camita surge de um conjunto de textos escritos por consagrados “doutores” do século XIV, que explicavam que os descendentes de Cam – Cus, Mesraim, Phut e Canaã – teriam povoado uma região que se estendia do sul da Síria até o norte africano, onde Cus teria gerado os Etíopes, Mesraim os Egípcios, Phutos os trogloditas[7] e Canaã os Àfri e os fenícios. A interpretação de que os descendentes de Cam seriam os povos Áfri e de que eles estariam sobre maldição foi compartilhada por muçulmanos e judeus.[8]
As imagens com relação aos africanos estavam tão atreladas ao imaginário europeu que tiveram influência até mesmo na cartografia universal. A teoria camita e a fusão da cartografia de Claudio Ptolomeu com a “cosmologia”[9] cristã contribuem para que a intensificação do relegar a África à uma  posição de inferioridade.

Claudio Ptolomeu

É importante salientarmos que as palavras de Claudio Ptolomeu e suas teorias eram ouvidas sempre com grande respeito por todos os estudiosos de sua época. Neste período, Ptolomeu desenvolve uma série de idéias e contribui para o avanço da ciência com seus trabalhos em matemática, astrologia, astronomia, geografia e cartografia. Ptolomeu forma toda a cartografia medieval, onde os mapas produzidos por ele seguem um padrão, onde a terra sempre está representada por um círculo que contém  as terras conhecidas: Europa, Ásia e África, distribuídas no interior deste mesmo círculo em forma de um T. O termo mais usual para esses mapas e suas representações era mapas T O”, que nada mais significava do que uma abreviação de Orbis Terrarum, ou seja, o círculo da Terra.

                          Mapa-mundi T O, século XII

Um dos mapas que mais representa a união entre a cartografia de Ptolomeu com a teologia medieval é o mapa conhecido como “Psalter” (1250). Nele, o que entendiam como paraíso terrestre estava representado ao norte, no topo da imagem, e Jerusalém, o local da ascensão do Filho de Deus aos céus no centro.

                              Mapa psalter

A Igreja se apropria da cartografia de Ptlomeu para fortalecer sua teoria camita, ou a cartografia de Ptolomeu é que se apropria da teoria camita da igreja? É bem provável que seja a Igreja tenha aproveitado da cartografia para sustentar sua idéia de que a população africana de fato seria oriunda de um povo amaldiçoado, e por conta disso estaria em maldição.
A Europa, cuja população descendia de Jafet (ou Jafé), primogênito de Noé, ficava à esquerda (do obeservador) de Jerusalém. Vale salientar que o primogênito na cultura (tradição) judaica, carregava consigo todo um significado místico, uma idéia de filho separado para o sacerdócio. Logo, podemos supor que a teologia medieval se apropria da idéia de descender do filho primogênito, do filho abençoado. A Ásia, local dos filhos de Sem (o segundo filho de Noé), encontra-se à direita. Ao sul surge a representação do continente africano, remontado por esta forte idéia de maldição que pesa sobre as costas de Cam, como dito anteriormente na explicação sobre a teoria camita.
O imaginário europeu se encarrega de criar todo o tipo de mitos em referência aos africanos. Acreditava-se fielmente que a parte habitável da Etiópia, por exemplo, era moradia de seres monstruosos, que os europeus denominaram como “os homens das faces queimadas”.  A cor negra estava diretamente associada ao mal, ao inferno, visto que o diabo nos tratados teológicos, nos contos preeminentes deste período e até mesmo nas visões das feiticeiras perseguidas pela inquisição, estavam geralmente ligados a cor negra.
Outro preconceito estabelecido sobre os povos africanos estava relacionado ao clima tropical do continente. Esses preconceitos percorreram o imaginário europeu desde a concepção da Igreja e, que as altas temperaturas no continente faziam alusão ao inferno. Este tipo de preconceito relacionado ao clima seguiu até o século XIX, onde esta mesma questão preconceituosa relacionada ao clima se fez presente está  mitos científicos oriundos das concepções do Darwinismo Social e do Determinismo Racial, onde os africanos foram colocados como homens preguiçosos, primitivos, incapazes de aprender, onde o clima contribuía para esta “lentidão” na evolução desses seres. Por conta disso, desta falta de progresso, dependeriam sempre do homem branco, mais precisamente do europeu. Para que possamos entender melhor isto, faz-se necessário entender o que é de fato o Darwinismo social e o Determinismo radical.
O Darwinismo social consiste na tentativa de se aplicar o darwinismo nas sociedades humanas. Este termo se popularizou por intermédio do historiador norte-americano Richard Hofstadter. Este pensamento tem como base a idéia de que existiram características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa era superior à outra. Muitos destes padrões de superioridade estavam vinculados à idéia de que estes indivíduos superiores dispunham de algumas características como, por exemplo, maior poder aquisitivo, maior habilidade com ciências humanas e exatas, aptidão para a arte e etc. Já os deterministas radicais acreditam que todas as ações são determinadas pela hereditariedade e pelo ambiente. Por meio do esclarecimento do que vêm a ser o Darwinismo social e o Determinismo radical, fica evidente o quanto a África envolta em um preconceito regido não só pelo imaginário europeu, mais posteriormente á questões cientificas. Fugindo um pouco deste âmbito África-europa a qual se dirige este trabalho, acrescento ainda que na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, o ditador Hitler apoiava-se no Darwinismo radical afim de rotular os judeus, os negros e outros, como uma raça “degradada”, enquanto que os alemães eram tidos como modelo de desenvolvimento físico e intelectual. A própria natureza, segundo Hitler, incumbia-se de eliminar os “fracos”.

5.    A África e o conceito de incivilizado

Entre todos os problemas observados ao longo deste texto, como os agravantes espirituais, religiosos e elementos fabulosos oriundos da Idade Média, estendendo-se até o período mercantilista e daí por diante, surge então na fase industrialista uma outra questão para se apontar a África como um continente inferior a todos os outros: a carência de civilização. Juntamente com a especulação de “carência de civilização” vem a questão da desorganização social, onde estabelece-se a idéia de que o continente africano era habitado por povos sem nenhuma estrutura social, desprovidos de organização. O Egito por exemplo, que todos evidentemente sabem que desenvolveu uma ampla estrutura, segundo os europeus só ô fez por ter tido um grande contato com os povos europeus, ou seja, teria sido “arianizado”. Para que possamos melhor entender o porquê a África foi considerada como um continente desprovido de organização social, de intelectualidade e etc, primeiramente é preciso entender o que significava o termo incivilizado para a ideologia dominante, ou seja, a européia.
Bem sabemos que tudo o que era estrangeiro ou desconhecido para o europeu era considerado como algo digno de monstruosidade, selvageria. Este pensamento ganhou ainda mais força na Idade Média segundo o historiador Lee Goff. “Para a Idade Média, o estrangeiro e o desconhecido são monstros, a ponto de que se misturam traços bestiais aos traços humanos.” (LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval -  vol. II; coordenador da tradução: Hilário Franco Jr. – Edusc 2006, Bauru, SP. p. 132).
O texto “A percepção da África” evidencia, como já dito anteriormente, que o continente africano passou a ser visto como o “canto periférico do mundo”. Mais o que e fato era o centro para o europeu? O que o mesmo entendia por periferia? E por que a África estava tão mais próxima deste conceito de periferia do que do conceito de centro?
O Europeu já permeia a idéia organizadora há muito tempo, desde os gregos e os romanos. Vejamos:

“Ordem é o que podemos perceber no espetáculo dos planetas onde cada elemento ocupa seu lugar e sua ordem sem um ser empecilho para o outro. Esta sentença formulada no séc. XII no círculo da escola de Abelardo, sugerindo a harmonia comum entre o cosmos e a congregação dos homens, situa-se na longínqua herança da concepção antiga, grega e romana, de “ordererum”.
LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval -  vol. II; coordenador da tradução: Hilário Franco Jr. – Edusc 2006, Bauru, SP. p. 305


O conceito de centro/periferia nos ajuda a entendermos bem o que era o conceito de civilizado/incivilizado para o imaginário europeu. Este conceito centro/periferia perdurou ao longo dos séculos, mas ganhou força e se estruturou de fato na Idade Média, onde a partir de então, passou a ser tido como parte essencial da ordem universal, da estrutura e da forma como deve funcionar isto no espaço das economias, das sociedades e das civilizações. Le Goff menciona que podemos ver em Wallerstein e Braudel que  este sistema existiu, funcionou e se estabilizou de forma concreta a partir do século XV, e ganhou ainda mais força nos séculos XVI e XVII com o inicio do capitalismo e da economia-mundo. Vejamos como Le Goff usa de uma fala de Braudel, onde o mesmo cita estes conceitos de centro/periferia como algo essencial para entendermos o que era o pensamento social e econômico na Idade Média.

“... o centro, o coração, reúne tudo o que existe de mais avançado e mais diversificado. O círculo seguinte só tem uma parte destas vantagens, ainda que delas participe: é a zona dos “segundos brilhantes”. A imensa periferia, com seus povoamentos pouco densos, é, ao contrário, o arcaísmo, o atraso, a exploração fácil pelo outro. (F.Braudel)”
LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval - vol. I; coordenador da tradução: Hilário Franco Jr. – Edusc 2006, Bauru, SP. p. 203


A Europa se via como o centro do mundo. Olhava para si mesma e via-e como o oposto do atraso, do arcaico, de tudo o que era desprovido de progresso e organização. Logo, tudo o que não estava neste centro já se encontrava em condição de atraso, de subdesenvolvimento, de incapacidade organizacional. Para os homens da Idade Média, o centro era o que definiria o que viria a ser a periferia e a descentralização, ou seja, o europeu era quem estava mais apto à saber quem e o que era a periferia, quem e o que era civilizado.
A definição de centro para os europeus na Idade Média também estava intrinsecamente atrelada ao cristianismo. Os grandes pais e doutores da igreja estruturaram todo um pensamento no qual Cristo seria o centro do universo, logo tudo o que estivesse fora desse centro também estaria fadado ao estado periférico. Estes conceitos de centro/periferia estão tão atrelados à fé cristã que tudo no planeta girava em torno de dois centros (aqui surge também o conceito de policentrismo) que seriam Roma e Jerusalém.

“A dificuldade em se pensar o centro foi acentuada por certas características essenciais da Cristandade Medieval, que possui dois grandes centros fundamentais, históricos, religiosos e ideológicos: Roma e Jerusálem.”
LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval - vol. I; coordenador da tradução: Hilário Franco Jr. – Edusc 2006, Bauru, SP. p. 203

Estar afastado dos centros significava para o europeu estar afastado de Deus, de Cristo. E, se para a fé cristã todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus[10], logo, estar afastado do mesmo é estar afastado do crescimento, da prosperidade, da evolução, do progresso. A África se encaixava no “estar longe do centro“ em todos os aspectos, inclusive no que dizia respeito ao plano espiritual universal, metafísico. Mas, se até então o continente africano não era o único continente a se cristianizar, porque então sofreu uma perseguição mais intensificada se comparada a outros povos, como por exemplo, os orientais? Com certeza, encontraremos boa parte desta resposta na questão da teoria camita que citamos anteriormente, mas existiram outros fatores que contribuíram para que povos como os do Oriente fossem vistos com outros olhos quando equiparados com os povos africanos.
Le Goff e Schmitt argumentam sobre a questão dos povos do oriente serem mais “respeitados” do que os povos da África, principalmente a África subsaariana. Eles dizem ser este “respeito” resultado da própria abertura destes povos onde o Oriente passa a ser considerado pelo imaginário europeu como uma periferia diferente, para melhor dizer, como  uma “fronteira” entre o centro e a periferia.
“Uma periferia revelou-se de particular importância, a periferia oriental. Não somente porque ela é um objeto de desenvolvimentos e de confrontos especialmente fortes entre germânicos e bálticos, germanos e eslavos, germanos e húngaros, mas porque foi a mais aberta, a que acabou por fim por colidir com a periferia de dois outros conjuntos de sociedades e de duas civilizações que a bloquearam.”
LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval - vol. I; coordenador da tradução: Hilário Franco Jr. – Edusc 2006, Bauru, SP. p. 203


Em alguns textos que têm por finalidade o estudo dos povos orientais e suas estruturas, observamos muitas semelhanças com toda a organização européia, principalmente no que diz respeito à economia. Vejamos a seguinte citação de Paul Gareli no que diz respeito ás estruturas “feudais” dos povos asiáticos.
“Todos os Estados que surgiram devido às desordens que sacudiram o Oriente Próximo no decurso dos séculos XVII e XVI – a observação não diz respeito unicamente a Mesopotâmia – possuem, como traço comum, instituições que quase sempre se classificam como “feudais”. Tanto na Ásia menor hitita como nos reinos sírios, em Mitani como na Assíria ou na Babilônia, os soberanos são vistos a distribuir terras, supostamente “feudos” a príncipes ou particulares, considerados seus “vassalos”.”
GARELLI, Paul. O Oriente próximo asiático: das origens ás invasões dos povos do mar. Pioneira: Editora da universidade de São Paulo. 1982. p.318

O que podemos concluir de tudo isto é que o conceito de civilizado/incivilizado para o europeu se deu de forma diferente e em momentos diferentes, porém a base deste conceito sempre foi à mesma, onde se via sempre o outro como algo selvagem e desprovido de qualquer capacidade organizacional, havendo algumas exceções, como no caso dos Orientais, por exemplo, como observamos no que foi citado por Garelli anteriormente.
Toda a percepção da África girou exatamente em torno da idéia que os europeus tinham de que, se o continente africano não era capaz de ter uma estrutura sócio-econômica ao menos semelhante à européia, logo este continente estava desprovido de qualquer qualidade organizacional. Assim concluímos que todo o preconceito com o povo africano girou em torno da originalidade que os mesmos tinham. Preconceito este resultante de diversas questões como a religião e o eurocentrismo, mas principalmente, pelo medo que os europeus demonstraram ter em assumir que não eram o único modelo de estrutura social a ser seguido. 



[1] Quimera: Fantasia, sonho.
[2] Grandes Pensadores da História Universal. Editora Abril. p,749. Vol. 3

[3] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Editora Martins Fontes. 2007. p.520

[4] Condorcet - Réflexions sur l’esclavage des nègres. Neufchatel : Société Typographique, 1781.

[5] vide: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2007/03/28/000.htm
[6] ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo. Brasiliense. 1994
[7] Troglodita: Que vive em cavernas ou sob a terra. Individuo primitivo.

[8] (STENOU, Katérina. Image de L´Autre: La difference Du mythé au préhúgé. Paris. Edition UNESCO. 1998. p.72)

[9] Cosmologia: ciência que trata das leis gerais que regem o universo.
[10]   Esta fala faz alusão a um trecho da Bíblia escrito pelo apóstolo Paulo em sua carta aos cristãos que estavam em Roma. Este trecho encontra-se no livro intitulado Romanos; capítulo 8 versículo 28.