Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 4





Vincent nunca se acostumou muito com a ideia de assiduidade aos cultos da congregação frequentada por seu pai na cidade grande. Talvez tivesse herdado do pai tal comportamento. Pouca coisa Vincent herdou do pai. Já foram destacadas duas, talvez as mais importantes para entendermos Vincent. Mas, algumas outras mais podem ser de grande utilidade para o desenrolar dos fatos na vida do tenro chaveiro.

Se do pai herdou o desgosto pela assiduidade aos cultos, com ela veio acompanhada a paixão pelo futebol. De longe era o assunto mais comentado na loja em que trabalhava. Era de longe também o tipo de assunto em que o pai mais fazia questão de esboçar algo ligeiramente mais incomum aos seus curtos comentários feitos de costume. Do pai também herdou a paixão por seu clube. Nesse aspecto, Vincent não estava muito distinto dos garotos que o cercavam. Tomemos por conta que poucas vezes Vincent realmente foi garoto, e das vezes que foi estava ou com uma bola nos pés ou com a mesma dentro de uma caixinha preta, fixado em frente a mesma, as quartas e domingos. Coincidentemente, nos mesmos dias em que aconteciam os cultos religiosos. Muito provavelmente a paixão pelo futebol fosse maior em Vincent do que o gosto, que por sinal era mínimo, que ele tinha pela rotina congregacional.

Vez ou outra o pastor da comunidade eclesiástica frequentada por Seu Martinho, visitava a sua loja. Martinho, sempre fiel em suas contribuições financeiras para com a comunidade, era acompanhado de perto pelo pastor amigo, que se tornava ainda muito mais amigo quando compartilhavam das poucas coisas que tinham em comum. Na verdade era apenas uma que tinham por similar: o futebol. Tudo bem que eles mantinham algum contato para a prosa muito mais por conta do pastor fazer o trajeto da sua casa para o trabalho e, ás vezes, do trabalho para o templo, passando em frente à loja de Martinho. Depois de umas tantas visitas à loja, o pastor começou a observar melhor o filho de Martinho e lhe perguntou:

- Ora rapaz, como você se chama mesmo?

- Vincent, senhor.

- Vejam só, que belo nome! Concordas que tens um nome incomum?

-Sim.

Poucas palavras. Vincent não era de muito falatório quando o assunto pouco lhe interessava. Na verdade, de todos que passavam pela loja, poucos traziam algo que de fato lhe interessasse. O pastor geralmente falava de futebol com seu pai, que por sinal, mesmo que Vincent quisesse participar um pouco mais da conversa, não o fazia por falta de espaço. As conversas sobre o esporte tão bem quisto geralmente eram muito saudosistas e Vincent tinha apenas dezessete anos de idade.

Os outros geralmente seguiam o pastor como boas ovelhas, sempre preocupadas com o mesmo tipo de assunto. Geralmente iam para o trabalho com a seguinte dúvida:

- Quem será que vai ganhar hoje? Qual a sua opinião chaveiro?

 Na volta, a pergunta costumava ser um pouco reformulada. Geralmente um tanto mais sarcástica e pouco mais objetiva.

- Qual a sua opinião sobre o jogo de hoje Martinho? Quem o senhor acha que vai ganhar?

Geralmente as respostas de Seu Martinho eram parciais e bem políticas, mesmo que uma opinião a favor de seu time estivesse em jogo. Martinho levava jeito para ser comentarista nos grandes canais de televisão e rádio da sua época.

- Nosso time está bem arrumado. Tem um bom meio campo e uma boa defesa. Acredito que tenha grande chance de sair com a vitória. Mas o adversário tem um grande ataque e um bom goleiro, além dos alas que bem apoiam. Com certeza pode sair vitorioso. Pode ser também que dê um belo empate.

Vincent observava com cautela e inquietação tais posicionamentos do pai que não se refletiam só no que diz respeito à vida futebolística, mas a quase tudo nesta vida. O pai sempre fazia questão de lhe exortar repetidamente, percebendo as inquietações do filho.

- Pouco comprometimento tenho tido para com as reuniões congregacionais meu filho, principalmente as dominicais. Mas delas consegui extrair algo, ainda que seja pouco. Por isso te digo que em todo e qualquer assunto, se possível, tende paz com todos.

Vincent entendia o conselho do pai e via alguma sabedoria nisso, mas começava a estranhar este conceito de paz criado pelo pai, muito mais próximo de passividade do que de pacifismo, ainda que o pensamento do garoto não se formulasse exatamente desta forma, com tais conceitos. Começou a pensar mais sobre o assunto, a fim de planejar chegar à fonte destas palavras pronunciadas pelo pai por muitas vezes, para que, quem sabe entendendo a fonte, pudesse entender a estranheza que sentia frente os conselhos dados pelo pai.

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