Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

domingo, 9 de dezembro de 2012

O chaveiro da Casa sem portas - Parte 3





   Nome dado, talvez bem dado. O fato é que Martinho cresceu e muito aprendeu com o pai no que diz respeito à arte de copiar chaves. O pai só se lembrou da tal teologia quando foi chegada a hora de nominar o filho, e o filho só se deparava com a mesma aos domingos (apenas alguns), único dia da semana em que visitava a pequena congregação da qual lhe nascera o nome. Isto quando de fato a tal teologia aparecia na congregação. Talvez ela fosse ainda menos frequente que Martinho e seu pai. Eis aí algo mais que aproximavam Martinho e a tal teologia: a pouca frequência aos cultos.

    Martinho cresceu ouvindo muita coisa e entendendo menos da metade delas. Trindade, salvação, céu e inferno, bom e mal, comer o corpo de Cristo e beber do seu sangue, arrebatamento, línguas estranhas, dom de maravilhas, destas coisas todas, nem metade Martinho entendia. Mas de uma coisa ele sabia e fazia questão de lembrar-se de todo dia:

- O meu nome é importante, pois vem do tal de protestante.

    Martinho nunca entendeu muito bem a casualidade do tal protesto do homem que originou sua alcunha. O pouco que sabia era que o homem tinha tido algumas desavenças com os padres. Isso ele não entendia muito bem. Pessoalizava a história de seu nome a todo o tempo. Nunca foi lá muito simpático ao padre da cidade, que por sinal tinha muito mais carisma do que todos os pastores que já haviam passado pela congregação por ele frequentada. Não entendia muito bem o porquê protestar contra um padre, já que a única imagem que tinha de um padre era a do que ele conhecia pessoalmente. Também não tinha toda simpatia do mundo pelo padre, já que o padre não falava de futebol nem das garotas mais belas da cidade, que eram os dois assuntos que mais interessavam a Martinho. Nesse ponto, os pastores que Martinho conheceu pareciam-lhe mais cativantes. Mas, ainda sim, esse motivo não era suficiente para Martinho protestar contra o padre, como fez o seu tocaio.

  Martinho cresceu e aos poucos foi deixando de lado a busca pelo que protestar para desgosto do pai. Como dito antes, Martinho estava mais ocupado com o galanteio às garotas e os gols do seu time do coração, e não havia quem lhe convencesse de que havia coisa melhor para se observar no quotidiano. Seu Arnaldo lhe deu o nome, mas não os motivos para que ele protestasse e desse algum sentido ao seu epíteto. A pequena cidade, aparentemente, também não lhe dava bons motivos para protestar. Tudo muito pacato, tudo muito sereno, e Seu Arnaldo transmitiu ao filho juntamente com o nome, a pré-disposição em ver que tudo estava bom como estava e sempre estaria, e que se algum dia viesse a ser diferente disto, era preciso em tudo dar graças. Aos olhos de Seu Arnaldo, não parecia contraditório ter um filho que tivesse o nome em alusão ao tal de protestante, mas que desse graças por tudo e que não visse mal em nada. 

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