PARTE
I
Para compreender o versar da seguinte obra
é preciso, antes de tudo, lançar-se
sobre o cálice do poético e embebedar-se sobre a ode de muitas das propostas e
conceitos aqui tomados, fazendo uso da significação destes, mas sem o apego
literal costumeiro de nosso objeto de estudo, reflexão e crítica: o farisaísmo.
Sendo assim, caminharemos sobre a prancha do conceito de religião sem o medo de
cairmos ao mar do não literal, e sem um vasto debate em torno do que seria
religião, como elucidou Voltaire[1] quando fez referência às
discussões levantadas entre os doutos que convergiam das opiniões do bispo de
Gloucester sobre o conceito de religião e aquilo que se aplicava a ele, quando
defendia o bispo:
“Uma
religião, uma sociedade que não está fundada na crença em outra vida, deve ser
sustentada por uma providência extraordinária. O judaísmo não está fundado
sobre a crença de outra vida; portanto, o judaísmo foi sustentado por uma
providência extraordinária.”[2]
Em contra partida, o bispo recebia a
seguinte crítica:
“Toda religião que não estiver baseada
sobre o dogma da imortalidade da alma e nas penas e recompensas eternas é
necessariamente falsa; ora, o judaísmo não conheceu esses dogmas; logo, o
judaísmo, longe de ser sustentado pela Providência, era, segundo teus
princípios, uma religião falsa e bárbara que atacava a Providência.” [3]
A
constatação que este título propõe sobre o farisaísmo como a religião dos
milênios não deve pressupor a literalidade do termo religião sobre a origem
etimológica do mesmo.[4] Se existe a necessidade de
que tomemos um norte para a conceituação de religião sobre o farisaísmo, que
seja dado sobre as formas a seguir. Uma
delas pode ser elucidada da perspectiva do próprio Voltaire sobre religião e
suas justificativas sobre tal explanação, trazendo à discussão a essência das
sociedades em estabelecer um deus para receber adoração e prestação de serviço
dos seres humanos, ou de respostas aos anseios desta vida sobre a esperança de outra,
de algo para além do que podemos contemplar sobre o nosso respirar que ofereça sentido
a ele. Tomemos aqui então exatamente esta necessidade, que vem de encontro com
uma ânsia em se estabelecer padrões, ritos, normas e hierarquias a serem
cumpridas, estabelecendo assim uma moral e ética própria ao grupo que se
identifica com os pressupostos, que transcenda o espaço do religioso até as
mais densas camadas sociais e suas organizações.
No sentido de ligar algo, culminado a
influenciar os mais variados círculos sociais, está esse instinto que tomarei
aqui por religioso. Mas, por que entendê-lo enquanto pressuposto presente em
milênios? Isto é o que iremos desenvolver ao longo desta narrativa. Para tanto,
vamos ao imo da questão: a origem, etimológica e histórica, do termo farisaísmo.
Isto exigirá uma boa dose de paciência sobre
o início minucioso deste trabalho.
O farisaísmo é apontado por diversos
pesquisadores como uma espécie de seita (no que diz respeito ao seu caráter
religioso) e uma espécie de “partido não oficial” (no que tange à sua
participação política entre a sociedade judaica). Esse segmento do judaísmo
estava em ascensão nos dias de Cristo e por isso encontramos diversos textos
nos evangelhos sinópticos que visam dar registro e relevância à participação
dos mesmos no âmago da sociedade contemporânea ao Cristo, e sua disputa na
ocupação do espaço político- ideológico, tanto com o homem que viria a
tornar-se o principal nome de sua era, como com os demais movimentos
concorrentes, que serão apresentados mais adiante.
A origem dos fariseus, enquanto movimento de
caráter organizado sobre as bases evidenciadas acima, ainda é assunto que gera
grande divergência entre os pesquisadores do tema, tornando-se difícil estabelecer
com precisão sua data natalina e a origem etimológica do termo que o nomeia.
Muitos afirmam que o movimento era originário dos hassidim (os piedosos), grupo que se tornou conhecido por apoiar a
revolta dos macabeus[5], lutando contra a anexação
e influência da cultura grega (helenismo) sobre o judaísmo, reivindicando um
purismo dentro da religião e da sociedade judaica. Há de se levar em consideração
aqui os duros embates da sociedade judaica com os impérios dominantes ao longo
da Antiguidade e a recém conquista do Reino de Judá, por volta de 587 a.C. por conta dos babilônios, gerando uma grande
dispersão do povo judeu e, consequentemente, promovendo o levante de diversos
grupos frente a organização política (e aqui cabe mais uma vez acentuar que
esta se dava na luta pela liberdade frente o Império opressor), e cultural
(âmbito da tradição sobre o impulso do religiosos), da sociedade judaica. Os
fariseus passam a ocupar uma posição central e de justo destaque nesse âmbito,
principalmente por conta de terem sido responsáveis pela institucionalização
das sinagogas, que vieram a suprir a necessidade dos templos, onde as mesmas
tomam um caráter religioso no sentido mais estrito da palavra, funcionando como
um ponto de encontro que daria condições de um “re-ligar” do disperso povo
judeu. Apesar de terem popularizado a
instituição das sinagogas, os fariseus não há tomavam como algo sacro e
indispensável para o desenvolvimento e organização dos ritos e reflexões da religião
judaica, e em muitas ocasiões reuniam-se em casas de caráter privado, fazendo
destas a sua sinagoga. Este ponto merece grande destaque e será trazido à tona
posteriormente.
A origem do termo, como já apontado aqui,
é tão difícil de precisar quanto sua data de inicio enquanto movimento
organizado. Segundo Ruben Aguilar[6], a palavra fariseu parece
derivar tanto do termo hebraico poresh,
que tem o sentido de “expor”, “apresentar”, como do termo paras, que exprime o sentido de “separar”. É dessa raiz etimológica que se origina o
termo perashim , que tem um som mais
próximo ao grego pharisaicos , que dá
constatação de “um que é separado da multidão profana”. Note aqui a importância
de retomarmos o contexto histórico em que tal via do judaísmo surge e seu
entrave frente uma possível inserção de valores culturais externos sobre o povo
judeu. Está muito próxima da unanimidade a ideia de que os fariseus se auto
intitulavam como “santos”, “puros” e juntos formavam a “verdadeira comunidade
judaica de Israel”. Já podemos trilhar aqui o que viria a ser o espírito farisaico posto[7] sobre nossa sociedade ao
longo dos milênios e, sem dúvida alguma, dar início à reflexão do domínio da prerrogativa
ortodoxa farisaica sobre a égide das organizações e convenções sociais, tanto
históricas quanto do contemporâneo.
[1]
Aqui tratamos mais uma vez da obra “Dicionário Filosófico”, considerada um
clássico da filosofia e extremamente influente para o desenvolvimento do
pensamento iluminista no século XVIII, que aparecerá de maneira constante neste
tratado.
[2]
Aqui Voltaire cita o bispo de Gloucester em sua obra “Divina Legação de Moisés
demonstrada”.
[3]
Aqui Voltaire exprime o pensamento dos que discordavam do pressuposto religioso
evidenciado pelo bispo de Gloucester, observando o aspecto explanado sobre o
mesmo com base também no judaísmo.
[4] Do
latim Religare, que re-liga.
[5] Os
macabeus formaram uma frente de resistência armada entre o povo judeu, que reivindicava
a independência da Judéia com relação a dominação da cultura e política helenística
sobre a região.
[6] A
obra “Inimigos do cristianismo primitivo como tipo escatológico”, será usada de
maneira constante neste trabalho.
[7]
Tomo emprestado aqui o conceito de espírito que Weber aplica em sua obra “A
ética protestante e o espírito do capitalismo”.
Se você perdeu a Introdução ao tema, pode ler em: FARISAÍSMO: A RELIGIÃO DOS MILÊNIOS - INTRODUÇÃO
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