Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

domingo, 21 de junho de 2015

FARISAÍSMO: A RELIGIÃO DOS MILÊNIOS - PARTE I



PARTE I


     Para compreender o versar da seguinte obra é preciso, antes de tudo,  lançar-se sobre o cálice do poético e embebedar-se sobre a ode de muitas das propostas e conceitos aqui tomados, fazendo uso da significação destes, mas sem o apego literal costumeiro de nosso objeto de estudo, reflexão e crítica: o farisaísmo. Sendo assim, caminharemos sobre a prancha do conceito de religião sem o medo de cairmos ao mar do não literal, e sem um vasto debate em torno do que seria religião, como elucidou Voltaire[1] quando fez referência às discussões levantadas entre os doutos que convergiam das opiniões do bispo de Gloucester sobre o conceito de religião e aquilo que se aplicava a ele, quando defendia o bispo:



“Uma religião, uma sociedade que não está fundada na crença em outra vida, deve ser sustentada por uma providência extraordinária. O judaísmo não está fundado sobre a crença de outra vida; portanto, o judaísmo foi sustentado por uma providência extraordinária.”[2]
    
    


    Em contra partida, o bispo recebia a seguinte crítica:



“Toda religião que não estiver baseada sobre o dogma da imortalidade da alma e nas penas e recompensas eternas é necessariamente falsa; ora, o judaísmo não conheceu esses dogmas; logo, o judaísmo, longe de ser sustentado pela Providência, era, segundo teus princípios, uma religião falsa e bárbara que atacava a Providência.” [3]
       


    A constatação que este título propõe sobre o farisaísmo como a religião dos milênios não deve pressupor a literalidade do termo religião sobre a origem etimológica do mesmo.[4] Se existe a necessidade de que tomemos um norte para a conceituação de religião sobre o farisaísmo, que seja dado sobre as  formas a seguir. Uma delas pode ser elucidada da perspectiva do próprio Voltaire sobre religião e suas justificativas sobre tal explanação, trazendo à discussão a essência das sociedades em estabelecer um deus para receber adoração e prestação de serviço dos seres humanos, ou de respostas aos anseios desta vida sobre a esperança de outra, de algo para além do que podemos contemplar sobre o nosso respirar que ofereça sentido a ele. Tomemos aqui então exatamente esta necessidade, que vem de encontro com uma ânsia em se estabelecer padrões, ritos, normas e hierarquias a serem cumpridas, estabelecendo assim uma moral e ética própria ao grupo que se identifica com os pressupostos, que transcenda o espaço do religioso até as mais densas camadas sociais e suas organizações.


     No sentido de ligar algo, culminado a influenciar os mais variados círculos sociais, está esse instinto que tomarei aqui por religioso. Mas, por que entendê-lo enquanto pressuposto presente em milênios? Isto é o que iremos desenvolver ao longo desta narrativa. Para tanto, vamos ao imo da questão: a origem, etimológica e histórica, do termo farisaísmo. Isto exigirá uma boa dose de paciência  sobre o início minucioso deste trabalho.



     O farisaísmo é apontado por diversos pesquisadores como uma espécie de seita (no que diz respeito ao seu caráter religioso) e uma espécie de “partido não oficial” (no que tange à sua participação política entre a sociedade judaica). Esse segmento do judaísmo estava em ascensão nos dias de Cristo e por isso encontramos diversos textos nos evangelhos sinópticos que visam dar registro e relevância à participação dos mesmos no âmago da sociedade contemporânea ao Cristo, e sua disputa na ocupação do espaço político- ideológico, tanto com o homem que viria a tornar-se o principal nome de sua era, como com os demais movimentos concorrentes, que serão apresentados mais adiante.



     A origem dos fariseus, enquanto movimento de caráter organizado sobre as bases evidenciadas acima, ainda é assunto que gera grande divergência entre os pesquisadores do tema, tornando-se difícil estabelecer com precisão sua data natalina e a origem etimológica do termo que o nomeia. Muitos afirmam que o movimento era originário dos hassidim (os piedosos), grupo que se tornou conhecido por apoiar a revolta dos macabeus[5], lutando contra a anexação e influência da cultura grega (helenismo) sobre o judaísmo, reivindicando um purismo dentro da religião e da sociedade judaica. Há de se levar em consideração aqui os duros embates da sociedade judaica com os impérios dominantes ao longo da Antiguidade e a recém conquista do Reino de Judá, por volta de 587 a.C.  por conta dos babilônios, gerando uma grande dispersão do povo judeu e, consequentemente, promovendo o levante de diversos grupos frente a organização política (e aqui cabe mais uma vez acentuar que esta se dava na luta pela liberdade frente o Império opressor), e cultural (âmbito da tradição sobre o impulso do religiosos), da sociedade judaica. Os fariseus passam a ocupar uma posição central e de justo destaque nesse âmbito, principalmente por conta de terem sido responsáveis pela institucionalização das sinagogas, que vieram a suprir a necessidade dos templos, onde as mesmas tomam um caráter religioso no sentido mais estrito da palavra, funcionando como um ponto de encontro que daria condições de um “re-ligar” do disperso povo judeu.  Apesar de terem popularizado a instituição das sinagogas, os fariseus não há tomavam como algo sacro e indispensável para o desenvolvimento e organização dos ritos e reflexões da religião judaica, e em muitas ocasiões reuniam-se em casas de caráter privado, fazendo destas a sua sinagoga. Este ponto merece grande destaque e será trazido à tona posteriormente.



     A origem do termo, como já apontado aqui, é tão difícil de precisar quanto sua data de inicio enquanto movimento organizado. Segundo Ruben Aguilar[6], a palavra fariseu parece derivar tanto do termo hebraico poresh, que tem o sentido de “expor”, “apresentar”, como do termo paras, que exprime o sentido de “separar”.  É dessa raiz etimológica que se origina o termo perashim , que tem um som mais próximo ao grego pharisaicos , que dá constatação de “um que é separado da multidão profana”. Note aqui a importância de retomarmos o contexto histórico em que tal via do judaísmo surge e seu entrave frente uma possível inserção de valores culturais externos sobre o povo judeu. Está muito próxima da unanimidade a ideia de que os fariseus se auto intitulavam como “santos”, “puros” e juntos formavam a “verdadeira comunidade judaica de Israel”. Já podemos trilhar aqui o que viria a ser o  espírito farisaico posto[7] sobre nossa sociedade ao longo dos milênios e, sem dúvida alguma, dar início à reflexão do domínio da prerrogativa ortodoxa farisaica sobre a égide das organizações e convenções sociais, tanto históricas quanto do contemporâneo.











[1] Aqui tratamos mais uma vez da obra “Dicionário Filosófico”, considerada um clássico da filosofia e extremamente influente para o desenvolvimento do pensamento iluminista no século XVIII, que aparecerá de maneira constante neste tratado.

[2] Aqui Voltaire cita o bispo de Gloucester em sua obra “Divina Legação de Moisés demonstrada”.

[3] Aqui Voltaire exprime o pensamento dos que discordavam do pressuposto religioso evidenciado pelo bispo de Gloucester, observando o aspecto explanado sobre o mesmo com base também no judaísmo.

[4] Do latim Religare, que re-liga.

[5] Os macabeus formaram uma frente de resistência armada entre o povo judeu, que reivindicava a independência da Judéia com relação a dominação da cultura e política helenística sobre a região.

[6] A obra “Inimigos do cristianismo primitivo como tipo escatológico”, será usada de maneira constante neste trabalho.

[7] Tomo emprestado aqui o conceito de espírito que Weber aplica em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”.




Se você perdeu a Introdução ao tema, pode ler em: FARISAÍSMO: A RELIGIÃO DOS MILÊNIOS - INTRODUÇÃO   


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