Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

domingo, 24 de junho de 2012

Uma espécie em extinção: os cristãos. (Parte 2)


Dando continuidade ao texto anterior, onde introduzi o tema a ser tratado nas próximas postagens destacando algumas palavras de Liev Tolstoi, o nada famoso (infelizmente) escritor russo, proponho a vocês leitores que, juntos, continuemos a observar as palavras de Tolstoi e sua leitura frente ao que vieram a oficializar como “cristianismo”, mas que em nada se assemelha às ações efetuadas pelo simples e humilde Cristo que dizem as atuais e históricas vertentes cristãs basearem a sua pregação.

Um dos pontos evidenciados por Tolstoi em sua obra O Reino de Deus está em vós  que gostaria de trabalhar, esta presente no capítulo 2 da mesma, que leva o título de Opiniões dos fiéis e dos livres pensadores sobre a não resistência ao mal por meio da violência. Este ponto trata de um problema não muito novo, muito menos incomum, tanto entre os seguidores de Cristo como entre os livres pensadores do cotidiano e das relações humanas. O problema tratado aqui por Tolstoi é o da justificativa do uso da violência por conta de uma possível “extinção dos bons”. E, para tratar dessa questão, Tolstoi cita um homem por demais influente no que diz respeito à formação do cristianismo como conhecemos hoje. O apelidado “boca dourada” (e veremos mais adiante o porque deste título): João Crisóstomo.

Vejamos a seguinte fala de Tolstoi, onde ele aponta tal justificativa como a segunda entre as cinco mais usadas pelos cristãos ao longo da história para fazerem uso da violência:



“O segundo meio — um pouco menos grosseiro — consiste em reconhecer que o Cristo ensinava, é verdade, a dar a face e o manto, e que esta é, realmente, uma elevada moral..., mas... uma vez que, sobre a terra, existe um grande número de malfeitores, é preciso mantê-los pela força, para que não se veja perecerem os bons e até mesmo o mundo inteiro. Encontrei pela primeira vez este argumento em São João Crisóstomo e demonstro sua falsidade em meu livro A minha religião.

Este argumento não tem valor porque, se nos permitimos declarar, não importa quem, um malfeitor fora-da-lei, destruímos toda a doutrina cristã segundo a qual somos todos iguais e irmãos, na qualidade de filhos de um só Pai Celeste. E mais, ainda que Deus houvesse permitido a violência contra os malfeitores, sendo impossível determinar de modo absolutamente certo a distinção entre o malfeitor e aquele que não é, aconteceria que os homens e a sociedade se considerariam mutuamente malfeitores: coisa que hoje existe. Enfim, supondo que fosse possível distinguir com segurança um malfeitor daquele que não é, não se poderia encarcerá-lo, torturá-lo e condená-lo à morte numa sociedade cristã, porque não haveria nela ninguém para cometer tais atos, sendo qualquer violência proibida ao cristão.”

Tolstoi, Liev. O reino de Deus está em vós. Best Bolso. Rio de Janeiro, 2011, p.41.



Ora, devo admitir que a elucidação de Tolstoi frente ao que o cristianismo contemporâneo prega é perfeita. Tal justificativa não é, e nem pode ser reconhecida como pautada nos preceitos e na prática de Cristo. Observamos ao longo dos relatos do Novo Testamento diversas passagens, além do chamado “Sermão do Monte” (que até o século XVI não tinha este título, mas isso é assunto pra outra oportunidade), em que Jesus condena seus próprios seguidores por pensarem ser a violência uma arma a ser utilizada em prol da justiça entre os homens. Vejamos o seguinte relato do livro de João:





“Tendo Jesus dito isto, saiu com os seus discípulos para além do ribeiro de Cedrom, onde havia um horto, no qual ele entrou e seus discípulos.



E Judas, que o traía, também conhecia aquele lugar, porque Jesus muitas vezes se ajuntava ali com os seus discípulos.

Tendo, pois, Judas recebido a corte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, veio para ali com lanternas, e archotes e armas.

Sabendo, pois, Jesus todas as coisas que sobre ele haviam de vir, adiantou-se, e disse-lhes: A quem buscais?

Responderam-lhe: A Jesus Nazareno. Disse-lhes Jesus: Sou eu. E Judas, que o traía, estava com eles.

Quando, pois, lhes disse: Sou eu, recuaram, e caíram por terra.

Tornou-lhes, pois, a perguntar: A quem buscais? E eles disseram: A Jesus Nazareno.

Jesus respondeu: Já vos disse que sou eu; se, pois, me buscais a mim, deixai ir estes;

Para que se cumprisse a palavra que tinha dito: Dos que me deste nenhum deles perdi.

Então Simão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco.

Mas Jesus disse a Pedro: Põe a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?

Então a coorte, e o tribuno, e os servos dos judeus prenderam a Jesus e o maniataram.”



Texto extraído da Bíblia Sagrada versão João Ferreira de  Almeida corrigida e revisada fiel. Livro de João, cap 18, vers 1 – 12.



Preciso dizer que a apologia ao uso da violência feita por homens como “São” João Crisóstomo contradizem as palavras e a prática de Cristo? Gostaria de propor a vocês leitores uma reflexão frente às diversas justificativas para o uso da violência, dentre elas a citada anteriormente por Tolstoi. Na próxima postagem tentarei abordar para uma melhor compreensão de todos os que acompanham esta narrativa, a figura de João Crisóstomo. Quem foi tal personagem e como o mesmo influenciou o atual cristianismo, seja ele católico apostólico romano ou protestante de qualquer vertente?

Desde já, ressalto minha gratidão a todos pela atenção que tem tido para com este espaço nos últimos dias. Um agradecimento em especial aos amigos Marcílio P. Mendes (mais conhecido como Júnior), Railton Guedes e Vento Suzano Farias Lima, que têm trabalhado para proporcionar à pessoas como eu, leituras que ajudem a compreendermos melhor as palavras de Cristo.

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