Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

domingo, 28 de abril de 2013

Lamentações de um Jeremias do século XXI - A contracultura como profissão de fé



    Todo o religioso é dono de um grande e útil espelho falante. A madrasta do personagem Branca de Neve resume bem o que somos, há muito tempo. O espelho de todo o religioso  tem a função de informar-lhe o quão belas são as suas convicções perante o desprimor duvidoso e irracional das outras concorrentes. Todo o religioso entende-se como despertado. Mas, nem todo o despertado entende-se enquanto religioso. Tomemos aqui religioso por pessoa que se comprometeu a seguir certas regras estabelecidas por um determinado grupo coletivo, afim de que estas regras evidenciem a sua fé no que professa este determinado grupo, angariando-lhe coisas boas para esta vida e aquela que há de vir após esta.

    Logo, o despertado terá o anseio de despertar aos que dormem. Definirá, logo então, quem são os que dormem, e esta tarefa será bem simples, já que terá por sonolência toda e qualquer ideia que  sugira que a sua ideia é a que evoca sonolência.  Parafraseando Machado de Assis "é a eterna contradição humana".

   
Entendo que a compreensão disto é o verdadeiro despertar. Mas, fazendo isto, não estaria eu também me tornando um religioso? Sim, claro. Todos somos em alguma medida. Se religião é o canal de ligação entre o homem e o sobrenatural, logo, todos nós, sem exceção, nos tornamos religiosos ao acreditarmos em qualquer coisa que fuja a naturalidade do que vemos. Veja o exemplo na fé da prática do amor por parte dos homens, fazendo brotar com esta  uma sociedade mais justa. O ateísmo e o agnosticismo, que forem militantes desta causa, tornam-se não mais do que duas grandes profissões de fé naquilo que não se vê, tal qual define o tão ressaltado Paulo de Tarso. Logo, irão querer passar adiante a sua fé, coisa típica de todo o religioso.

    Não vejo problema na "evangelização", seja ela de cunho cristão-católico, protestante, umbandista, judeu, budista, kardecista, ateísta ou de qualquer outra perspectiva. Não. Ter algo como bom e querer dar este presente a outra pessoa é uma grande virtude. O problema não está aí. O problema está quando este "dar" se torna "impor". Pois bem, nesse sentido venho sugerir uma nova profissão de fé, frente a cultura da imposição: a profissão de fé na contracultura. A profissão de fé na possibilidade não não impor nada a outrem.

    A contracultura tornou-se muito conhecida nos últimos tempos, principalmente pelos movimentos musicais e sociais, de ideologia política. Acho que nada mais espalhou melhor a mensagem da contracultura do que estes "dois evangelistas". Mas, para ser contracultural, basta a profissão de fé? Para ser contracultural basta vestir roupas estranhas, ter um cabelo estranho, falar coisas estranhas, e finalmente, tentar ao máximo ser o mais estranho possível ao que é tido como normal? Talvez o não seja a melhor das respostas.

    A contracultura do século XXI seria o amor incondicional. Amar, sorrir, abraçar, oferecer a outra face, priorizar sempre o outro, perdoar, conversar, andar devagar, refletir, observar, ouvir mais, visitar, convidar, oferecer; tudo isto resumiria a religião que poderia ser tida como a religião dos despertados que não querem despertar pela imposição, mas simplesmente amar, ou seja, respeitar e servir mesmo os que insistem em dormir. A contracultura que poderia ser a salvação da humanidade. Sim, a contra-cultura como única e suficiente salvadora.

   Com base nisto, costumo afirmar que existem dois cristianismo, ambos absurdos. Um é este que anula todo o desenvolvimento humano que nega o que se acredita piamente por meio do espelho do ego religioso. Que prega a paz por meio de atitudes violentas, fisicamente e moralmente. Que serve a um deus que mata por matar, sem sentido algum. Que toma por literal toda e qualquer fala de alguém que roda e fala palavras estranhas, tendo estas como promovidas pelo próprio Criador. Que crê que um livro, escrito por homens tão falhos como os próprios leitores, tenha sido todo sussurrado por uma tal de  inspiração, vinda esta do próprio Deus. O outro, tão absurdo quanto e apresentado por Jesus, é tão irracional quanto o primeiro, justamente por ir na contramão dele, que é o predominante, incentivando-nos a dar, e não receber, contradizendo assim o primeiro dos absurdos proposto pelo cristianismo. Propõe o amar incondicionalmente. O primeiro dos absurdos traz a desgraça, mas o segundo, a felicidade.


    Se, neste momento, alguém pode aceitar a contracultura como única e suficiente salvadora, que a receba colocando as mãos no coração que só o Pai desta pode ver, e evidenciando-a perante a sua maneira de viver, que os outros homens também podem e necessitam observar.

3 comentários:

  1. Não vejo, ainda, salvação em nenhum tipo de irracionalidade. A única salvação para o humano, ou o caminho para ela, seria a consciência. A boa consciência.
    O amor incondicional é uma impossibilidade, e enquanto mandamento, um jugo insuportável, que ao ser proposto como lei, lança a todos, indistintamente, em condenação.
    A boa consciência nos leva ao discernimento, primeiro de nossas próprias fragilidades e depois, às fragilidades do nosso próximo e do próprio sistema cultural no qual andamos.
    Andar na contra-mão, apenas pode nos tornar ícones aptos a receber algum tipo de consideração ou perseguição.
    Com alguma sorte, o máximo que conseguiremos assim é nos tornar ícones de uma minoria.
    O discernimento, nos leva a abrir a visão para a percepção das malignidades ocultas no sistema religioso, travestidas de espiritiualidade evoluída. Nos leva a filtrar com mais eficiência a verdade da mentira.
    Numa coisa o Mestre, Avatar de Luz não mente: A verdade vos libertará.

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  2. O Padre Bede Griffiths, disse algo importante a se pensar "...Tanto no budismo quanto no hinduismo a pessoa desaparece no absoluto; já no cristianismo, a realidade absoluta final, é pessoal ou interpessoal, sendo que, para nós, o estado mais elevado é a comunhão de pessoas no amor..." Continua "...no conhecimento, recebemos as formas das coisas dentro de nós mesmos. Olhamos para fora e vemos árvores, terra, céu, e acolhemos tais formas em nós. Comungamos com as coisas no conhecimento, na consciência. Já no amor, saímos de nós mesmos, e nos rendemo-nos a outrem, damo-nos aos outros mas não nos perdemos nos outros..." Digo agora eu :...esse é o misitério da comunhão em Deus e com Deus. A religião obriga a armazenar sentimentos em moldes pré-estabelecidos, impedindo toda a forma de perceber o novo, porque o que resguarda integridade é a fé cega no absoluto, sem nunca provar do relativo. Jesus, condiciona a sua verdade, a liberdade do experimento. isso é pessoal e intransferível. Cristo vive em mim...

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  3. Excelente texto. Rene Girard trata um pouco sobre isso de uma forma bem interessante: A imitação determina validade, e a validade competição. Explicando: Se eu tenho uma fé, e alguém a imita, a imita por compreender verdadeira e eu por outro lado, vejo a imitação como prova de verdade. Por outro lado, a imitação gera competição sobre quem tem prioridade sobre determinado objeto de fé, ciência, cultura e etc. O sistema religioso (estrutural) pode muito bem ser resumido dessa forma.

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