Ser Pensante

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"Todo homem honesto deveria tornar-se filósofo, sem se vangloriar em sê-lo." Voltairé

sábado, 2 de março de 2013

O chaveiro da Casa sem portas - parte 11



Como rotineiro, o sinal de aviso que era hora de voltar para casa havia tocado. Todos, sem exceção, comemoravam ao ouvir tal toque. A escola era por demais cansativa e maçante. Apesar do grande esforço de alguns educadores ali presentes, em dar ao ambiente uma tonalidade espirituosa e abrangente ao intelecto, seus superiores e a política do país não auxiliavam para que esta missão fosse efetivada. Os quatro amigos aqui apresentados costumavam ir embora juntos. Moravam próximos um ao outro, mas na metade do caminho acabavam por irem dois para um lado e dois para outro. Sofia e Rômulo costumavam seguir para uma travessa à direita da avenida em que se localizava a escola, e William e Vincent seguiam em linha reta, já que moravam na própria avenida, alguns metros posteriores à travessa que pegavam seus amigos.

— Poxa, que dia mais cansativo. Hoje é apenas Segunda, temos toda uma semana pela frente. Garotos, vocês têm estudado para as provas finais? — indagou Sofia, esperando uma resposta consoladora por parte do grupo.

— Bom, eu tenho estudado feito um louco, em todo o tempo que me resta, incluindo minhas horas de almoço no trabalho. — afirmou William, com um ar de orgulho pelo feito.

— Tenho certeza que irá se dar bem nas provas finais Will. Tem concentrado todas as suas energias nisso, e colherá os frutos desta empreitada. Eu não sigo o mesmo caminho que você. Faltam-me forças. Estudo algumas horas antes de vir para a escola. Acredito que será o suficiente para ser aprovado no final das contas, por um triz. — respondeu Rômulo decepcionado com o seu desempenho, mas crente que era o suficiente.

Sofia logo notou que Vincent manteve-se quieto e reflexivo durante o diálogo entre os amigos. Logo fez questão de apontar o silêncio de Vincent, antes que o seu frente a questão proposta fosse percebida.

— E você, pequeno chaveiro? Tem reservado um tempo para se afogar nos textos e cálculos que decidirão nosso futuro, ou também está à mercê da sorte grande para os desprovidos de ócio suficiente para os estudos?

— Hum. Eu tenho lido muito pouco, mas praticamente nada relacionado às provas finais.

— Hora, temos aqui algo notável. Alguém que se propõe a enfrentar as obrigações. – a afirmação de Rômulo, por mais sarcástica que parecesse, estava tomada de admiração pela anormalidade de Vincent nesse sentido.

— E por que ler o desnecessário Vincent? — questionou William.

A resposta de Vincent que segue à interrogação de William, não se daria apenas naquele instante. Na verdade, Vincent fazia a mesma questão a si mesmo, desde que entendeu que era um jovem cercado de obrigações e deveres, tudo graças ao necessário. Refletiu durante algum tempo e chegou a concluir que o desnecessário poderia ser digno de alguma atenção.  Mas, logo percebeu que existia uma complexa subjetividade no que se entendia por necessário e desnecessário. Algumas coisas que ele tomava anteriormente por  supérfluas ou até mesmo dispensáveis, passaram a ter uma maior atenção por parte de Vincent, quando se deu a conhece-las. Ele pensou nesta questão em um lapso de segundo e tomou por escolha não proferir um sermão filosófico, por enquanto, para responder a simples pergunta de William. A resposta foi tão simples quanto à pergunta.

— E o que é desnecessário afinal? 

— Ora Vincent, estamos em pleno final de ano letivo, preparando-nos para o mercado de trabalho, pensando em conseguir uma migalha qualquer do estado, uma bolsa de estudos para que possamos ter alguma especialização que nos salve do naufrágio frente este mar agitado da concorrência e você me pergunta o que é desnecessário?

William tomava sempre o certo por certo. Não havia tempo para a dúvida. O tempo que se dedicava para a dúvida do certo, da normalidade, do cotidiano, era tempo perdido para se tornar um vencedor dentro do mesmo. William tinha seus motivos para ser assim e para questionar quem pensasse de maneira diferente.

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