Dando
continuidade ao texto anterior, onde introduzi o tema a ser tratado nas
próximas postagens destacando algumas palavras de Liev Tolstoi, o nada famoso
(infelizmente) escritor russo, proponho a vocês leitores que, juntos,
continuemos a observar as palavras de Tolstoi e sua leitura frente ao que
vieram a oficializar como “cristianismo”, mas que em nada se assemelha às ações
efetuadas pelo simples e humilde Cristo que dizem as atuais e históricas
vertentes cristãs basearem a sua pregação.
Um
dos pontos evidenciados por Tolstoi em sua obra O Reino de Deus está em
vós que gostaria de trabalhar, esta presente no capítulo 2 da mesma,
que leva o título de Opiniões dos fiéis e dos livres pensadores sobre a
não resistência ao mal por meio da violência. Este ponto trata de um
problema não muito novo, muito menos incomum, tanto entre os seguidores de
Cristo como entre os livres pensadores do cotidiano e das relações humanas. O
problema tratado aqui por Tolstoi é o da justificativa do uso da violência por
conta de uma possível “extinção dos bons”. E, para tratar dessa questão, Tolstoi
cita um homem por demais influente no que diz respeito à formação do
cristianismo como conhecemos hoje. O apelidado “boca dourada” (e veremos mais
adiante o porque deste título): João Crisóstomo.
Vejamos
a seguinte fala de Tolstoi, onde ele aponta tal justificativa como a segunda
entre as cinco mais usadas pelos cristãos ao longo da história para fazerem uso
da violência:
“O segundo meio — um pouco
menos grosseiro — consiste em reconhecer que o Cristo ensinava, é verdade, a
dar a face e o manto, e que esta é, realmente, uma elevada moral..., mas... uma
vez que, sobre a terra, existe um grande número de malfeitores, é preciso
mantê-los pela força, para que não se veja perecerem os bons e até mesmo o
mundo inteiro. Encontrei pela primeira vez este argumento em São João
Crisóstomo e demonstro sua falsidade em meu livro A minha religião.
Este argumento não tem valor
porque, se nos permitimos declarar, não importa quem, um malfeitor fora-da-lei,
destruímos toda a doutrina cristã segundo a qual somos todos iguais e irmãos,
na qualidade de filhos de um só Pai Celeste. E mais, ainda que Deus houvesse
permitido a violência contra os malfeitores, sendo impossível determinar de
modo absolutamente certo a distinção entre o malfeitor e aquele que não é,
aconteceria que os homens e a sociedade se considerariam mutuamente
malfeitores: coisa que hoje existe. Enfim, supondo que fosse possível
distinguir com segurança um malfeitor daquele que não é, não se poderia
encarcerá-lo, torturá-lo e condená-lo à morte numa sociedade cristã, porque não
haveria nela ninguém para cometer tais atos, sendo qualquer violência proibida
ao cristão.”
Tolstoi, Liev. O reino de
Deus está em vós. Best Bolso. Rio de Janeiro, 2011, p.41.
Ora,
devo admitir que a elucidação de Tolstoi frente ao que o cristianismo
contemporâneo prega é perfeita. Tal justificativa não é, e nem pode ser
reconhecida como pautada nos preceitos e na prática de Cristo. Observamos ao
longo dos relatos do Novo Testamento diversas passagens, além do chamado
“Sermão do Monte” (que até o século XVI não tinha este título, mas isso é
assunto pra outra oportunidade), em que Jesus condena seus próprios seguidores
por pensarem ser a violência uma arma a ser utilizada em prol da justiça entre
os homens. Vejamos o seguinte relato do livro de João:
“Tendo Jesus dito
isto, saiu com os seus discípulos para além do ribeiro de Cedrom, onde havia um
horto, no qual ele entrou e seus discípulos.
E Judas, que o traía,
também conhecia aquele lugar, porque Jesus muitas vezes se ajuntava ali com os
seus discípulos.
Tendo, pois, Judas
recebido a corte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, veio para ali
com lanternas, e archotes e armas.
Sabendo, pois, Jesus
todas as coisas que sobre ele haviam de vir, adiantou-se, e disse-lhes: A quem
buscais?
Responderam-lhe: A
Jesus Nazareno. Disse-lhes Jesus: Sou eu. E Judas, que o traía, estava com
eles.
Quando, pois, lhes
disse: Sou eu, recuaram, e caíram por terra.
Tornou-lhes, pois, a
perguntar: A quem buscais? E eles disseram: A Jesus Nazareno.
Jesus respondeu: Já
vos disse que sou eu; se, pois, me buscais a mim, deixai ir estes;
Para que se cumprisse
a palavra que tinha dito: Dos que me deste nenhum deles perdi.
Então Simão Pedro,
que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe
a orelha direita. E o nome do servo era Malco.
Mas Jesus disse a
Pedro: Põe a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?
Então a coorte, e o
tribuno, e os servos dos judeus prenderam a Jesus e o maniataram.”
Texto extraído da
Bíblia Sagrada versão João Ferreira de Almeida corrigida e revisada fiel.
Livro de João, cap 18, vers 1 – 12.
Preciso
dizer que a apologia ao uso da violência feita por homens como “São” João
Crisóstomo contradizem as palavras e a prática de Cristo? Gostaria de propor a
vocês leitores uma reflexão frente às diversas justificativas para o uso da
violência, dentre elas a citada anteriormente por Tolstoi. Na próxima postagem
tentarei abordar para uma melhor compreensão de todos os que acompanham esta
narrativa, a figura de João Crisóstomo. Quem foi tal personagem e como o mesmo
influenciou o atual cristianismo, seja ele católico apostólico romano ou protestante
de qualquer vertente?
Desde
já, ressalto minha gratidão a todos pela atenção que tem tido para com este
espaço nos últimos dias. Um agradecimento em especial aos amigos Marcílio P.
Mendes (mais conhecido como Júnior), Railton Guedes e Vento Suzano Farias Lima,
que têm trabalhado para proporcionar à pessoas como eu, leituras que ajudem a
compreendermos melhor as palavras de Cristo.
Obrigado
a todos!
Parte 1 em: http://www.maisumpensante.blogspot.com.br/2012/01/uma-especie-em-extincao-os-cristaos.html . É só clicar !!!
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