Como se não bastasse me pegar assistindo de maneira totalmente envolta a final do programa Superstar (sem falar dos outros domingos em que fui um telespectador do mesmo programa e, consequentemente, global), me peguei também sobre uma imensa vontade de escrever sobre o mesmo. Não apenas sobre o programa, sobre a final, mas sobre a banda vencedora, mas sobre tudo o que me fez ver aquele acontecimento como algo para além de uma mera final de mais um reatily show simplório e previsível relacionado à música e ao show business.
Minha expectativa sobre o programa final se
deu, em grande parte, por conta dos protagonistas envolvidos na última chance
de levar o título de Superstar 2015. Duas bandas de rock e duas bandas com
propostas, que para o meu espanto, uma parte considerável dos que se dizem
representantes do rock contemporâneo viam como “antirock”. Só neste
sentido, tive a percepção de que toda a questão iria muito além de apenas se
discutir um gênero musical e seus possíveis favorecimentos e desfavorecimentos
ao título na final do programa, ou mesmo da proposta musical de cada banda
finalista apresentada ao longo do programa.
Muito antes de o programa começar,
acompanhava pelo Facebook diversos comentários acerca de uma possível marmelada
global em dar o título a banda de rock Scalene, o que para a maior parte das pessoas que viam
desta forma este possível favorecimento, evidenciaria mais uma vez, uma postura
racista da Rede Globo de Televisão. Pois bem, o programa começou e para
inflamar quase todos (já vamos entender o quase) os ânimos nas redes sociais, a
primeira banda a ser eliminada foi Dois
Africanos, justamente a banda de maior torcida (pelo menos entre o público
do meu Facebook em particular), em oposição aos “favoritos” Scalene. Minutos
antes muitos já alertavam para uma possível eliminação desta banda pelas
questões de cunho racial evidenciadas acima. Confesso que me questionei quanto
a isso. Não vi essa desconfiança como exagero, mas também não acredito que a
banda poderia ser eliminada ou perder o programa unicamente por serem negros e africanos,
justamente por uma série de outros fatores, como o ritmo musical bem
diversificado e o próprio dialeto usado nas músicas, onde as letras não ficavam
tão claras. Levei em conta que se tratava de um programa que apesar de abranger
diferentes estilos musicais, se destina a um público que consome música pop, e
que essa preferência sempre acaba ficando clara na votação do público, como
aconteceu inclusive com a banda Malta, vencedora
do último reality, que se propôs a fazer rock inicialmente, mas que ao longo do
programa, talvez justamente por perceber isso, migrou seu estilo para o pop,
principalmente no que diz respeito às composições. Estava crente de que tudo
seria possível e, ainda estou, de que nunca será possível saber o que de fato
acontece para que bandas ou cantores x sejam vencedores desse tipo de programa,
mas ainda me firmo na questão da estética musical mais voltada para o pop, por
ser o estilo de música de mercado.
Pois bem, passado o ocorrido com a banda Dois Africanos, Lucas e Orelha passaram
a ser a banda representante do que estou chamando aqui de antirock, e a torcida pelos garotos passou a ser imensa. Unicamente
por apresentarem um estilo mais voltado ao pop, já evidenciado aqui como o gênero
de maior popularidade e que sempre entrará como favorito no programa? Pelo que
li nas minhas redes sociais especificamente, parece que não. E os que estavam
torcendo contra ele, torciam contra unicamente por motivos musicais contrários
aos que torciam a favor? Também arrisco dizer que não. Ora, então a minha maior
probabilidade, de que a banda campeã o seria por conta do estilo musical,
parecia estar sendo colocada em cheque, e isto ficou comprovado ao longo do
programa e após o resultado final.
A banda Versalle
foi a segunda eliminada e a final foi perfeita para evidenciar aquilo que eu já
estava percebendo ao longo do programa: Scalene
e Lucas e Orelha, representavam muito
mais do que apenas dois gêneros musicais, eles representavam estilos de vida,
segmentos da sociedade, em suma, representava pessoas, tal qual os políticos,
nesse atual sistema, supostamente deveriam fazer (alguns até fazem e isto já
seria assunto para uma outra ocasião).
Ao longo das apresentações, sendo a
primeira da banda Scalene, comecei a observar as pessoas que estavam a torcer
por um e por outro. Enquanto a banda Scalene tocava, uma série de pessoas na
plateia do Superstar se colocava de pé para dançar e aplaudir sua banda
favorita. Na base do “olhomêtro” (aqui fala um telespectador de televisão, não
um pesquisador de dados estatísticos), a torcida de Scalene era composta de
pessoas brancas, que pareciam ser de uma camada social privilegiada economicamente e
que acreditam consumir um estilo de música que não se mistura com uma
determinada gentalha. De modo contrário, comecei a observar que as pessoas que
se colocavam a dançar e a torcerem por Lucas e Orelha, tinham justamente o
perfil contrário. Minhas desconfianças estavam postas. Aquela final
representava muito mais do que uma final de um mero reality show. Aquele
programa poderia ser um verdadeiro
objeto de estudo sociológico muito bem discutido, desde uma simples
postagem de um blog até o meio acadêmico. O que fiz para continuar a observação
sobre esta constatação inicial? Me dirigi para as redes sociais, inclusive para
além do meu Facebook particular que demanda um público que com certeza iria se
identificar mais com a banda alternativa ao gênero musical de gente de bem. Ao me dirigir ao Twitter
tive a plena convicção de que não se tratava de um rito no escuro, um chute no
vácuo, Lucas e Orelha de fato representavam ali uma camada social pobre e
negra, e Scalene o contrário. Os perfis que compartilhavam fotos, textos e
mensagens, elucidava esse fator. Conteúdos dos mais diversos, mas
diversificados. Não consegui encontrar sequer um twitter dos que se colocavam a
torcer por Lucas e Orelha que se colocasse a ofender a origem ou os traços físicos
dos membros da banda Scalene. Já o contrário...
O programa terminou. Ao longo da
apresentação da dupla Lucas e Orelha, a porcentagem foi subindo e, antes mesmo
que a canção terminasse, já estava decretado o vencedor e, com isso, o ódio que
iria se espalhar pelas redes sociais contra a camada que os garotos
representavam. Dentre tantas barbaridades, as clássicas: “votaram neles os que votam na Dilma e recebem Bolsa Família” e “Como pode um preto e um preto vesgo, vencerem
uma banda com um lindo vocalista, como a Scalene tem?” . Disso para baixo.
Já prevendo isso ao longo das apresentações da banda, minha identificação com
os garotos que já era grande ao longo do programa, foi potencializada. Lucas e
Orelha não eram a alternatividade musical e ideológica de Tom Zé, Criolo, Chico
Buarque, RATM, ou mesmo os Racionais em seu início, que tanto me atraem, nem na
sonoridade nem em termos de composição. Eles eram a alternatividade enquanto indivíduos,
e apenas isso bastava. Eles eram o contraponto do pop por sua origem e postura
humilde. Só o fato dos garotos agradecerem aos prantos a seus pais, de terem
escolhido um negro para que os apadrinhasse (e aqui também creio que a
identificação com Thiaguinho, que por sinal está bem longe de ser uma preferência
musical minha, também tenha se dado pelo reconhecimento dessa origem social) e
a emoção de não estarem acreditando que sim, é possível que um jovem,
nordestino, negro e pobre se destaquem de alguma forma, ainda que pelos
meandros do próprio capital e indústria fonográfica que tanto critico sejam o
meio, já eram evidencias suficientes para acreditar que Lucas e Orelha não
representavam apenas aos negros, pobres e nordestinos de nosso país, mas
representavam também a mim e aos que se indignam com uma sociedade que massacra
pessoas como Lucas, Orelha e os que se identificam com eles. Não, eles não
querem que vençamos, nem pelos meios deles. A meritocracia não nos contempla
méritos, e quando o faz, é apenas para alguns poucos, para que se perpetue a
mentira de que todos podem, e mesmo para esses poucos de nós, esse contemplar
parece ser passageiro ou apenas por meio específicos. Mas o ovo nazista já está
plantado de tal forma no seio do social brasileiro, que um negro agora passa a
incomodar, inclusive, ao ser vencedor por meio da música ou do esporte.
Os que passaram a criticar veementemente o
resultado do Superstar se diziam admiradores e consumidores do rock. Passada
meia noite, enquanto Lucas e Orelha comemoravam seu título, o Dia do Rock dava
início, sobre o grito de muitos roqueiros internautas: o rock é branco, de
gente bem abastada, de acesso econômico e cultural (segundo o que eles definem
por cultura), de nível (sobre o que eles entendem e impõem como nível). O Dia
13 de Julho de 2015, no Brasil, já era então muito mais que o dia do Rock. Era
o dia do rock posterior a uma derrota de uma banda de rock com uma legião de
fãs (sem terem gravado sequer um grande álbum ou sucesso) em um programa tido
como muitos que se dizem alternativos e admiradores desse estilo musical, como
boçal e “popular”. O Dia 13 de Julho de 2015 no Brasil era o dia da reflexão sobre o Rock e sobre o Brasil,
e a vitória de Lucas e Orelha na final do Superstar tem um enorme peso para que
esta reflexão seja promovida na presente data e nas datas posteriores, como a
de hoje, dia 14, onde dou inicio a esse texto. Fica a pergunta: se somos
todos Maju, por que não somos todos Lucas e Orelha?
Continua...
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